O meu vizinho de casa é robusto
é um castanheiro-da-índia da avenida Re Umberto
tem a minha idade mas não parece.
Alberga pardais e melros, e não se envergonha,
em Abril, de estimular brotos e folhas,
frágeis flores em Maio,
e em Setembro ouriços de inócuos espinhos,
com lustrosas castanhas tânicas no interior.
É um impostor, mas ingénuo: quer fazer-se passar
Por émulo do seu bravo irmão da montanha
senhor de frutos doces e de cogumelos preciosos.
Não vive bem. A cada cinco minutos
os eléctricos número oito e dezanove
pisam-lhe as raízes; permanece aturdido
e cresce inclinado, como se quisesse ir embora.
Ano após ano suga os lentos venenos
do subsolo saturado de metano:
está encharcado em urina de cães,
as rugas da sua casca estão entupidas
pela poeira séptica das ruas;
sob a sua corcha pendem crisálidas
mortas, que nunca serão borboletas.
Mesmo assim, no seu tardio coração de madeira
sente e goza o regresso das estações.
in A uma hora incerta, Edições do Saguão, dezembro de 2024, tradução de Rui Miguel Ribeiro
ver avenida Re Umberto aqui →