A matilha de cães persegue a cadela
pelas ruas inabitáveis do México.
Cães muito sujos, mancos e tortos, malferidos
e cobertos de chagas supurantes.
Condenados à morte
e por agora à fome e à errância.
Alguns carregam
sinais da antiga pertença a uns donos
que os perderam ou expulsaram.
E enquanto alguém se decide a matá-los
perseguem os cães a cadela.
Farejam-na todos, conversam, excitam-se
com o seu aroma a cadela.
Dão-lhe pequenos e lascivos mordiscos.
Montam-na
um a um em ordeira sucessão.
Não é orgia
é sim uma cerimónia sagrada
nestas condições mais que hostis:
os que riem,
os que apedrejam os fornicantes,
ciumentos
do prazer que eletriza as vulneradas trunfas
e da chama seminal acesa
na orgásmica vulva da cadela.
A cadela-deusa,
a eterna fêmea que carrega
no seu atribulado lombo as galáxias, o peso
do universo que se expande sem tréguas.
Por um segundo é o centro de tudo.
A matéria que não cessa. O templo
deste prazer sem posse nem fruto
que durará enquanto existir este ponto,
esta molécula de esplendor e miséria,
átomo errante a que chamamos Terra.
in A Árvore Tocada pelo Raio, Maldoror, Setembro de 2024, página 155, selecção, tradução, introdução e notas: Miguel Filipe Mochila