Esta noite sonhei que era um rio. Um rio pequenino, é certo, que nada mais conhecia além das montanhas onde nasci, dos amieiros e dos juncos que nele se debruçavam. Como todos os rios, o que eu mais ardentemente desejava era desaguar. Comecei a perguntar onde ficava o mar, mas ninguém sabia responder. Apontavam-me com um gesto vago ora este ora oeste. Escolhera já a forma de desaguar – em delta, claro – mas não recolhera ainda o menor indício da proximidade ao mar. Uma noite em que estava acampado entre as dunas cheguei finalmente a uma conclusão (a mesma a que todos os rios chegam talvez antes de mim): o mar não existia.
(E essa conclusão era salgada.)
Jorge Sousa Braga in Os pés luminosos, Centelha, 1987, página 12