As raparigas operárias que de madrugada vão para o trabalho, caminham em longas filas entre as lojas e as fábricas da cidade baixa. São milhares. Trazem debaixo do braço o almoço embrulhado em papel de jornal.
Todas as manhãs, quando me cruzo com este rio de jovens vidas femininas, pergunto a mim mesmo para onde vai ele, para onde vão faces aveludadas de juventude, riso de lábios róseos e recordações, nos olhos, das danças da noite anterior, de brincadeiras e passeatas.
Verdes e cinzentas correntes vão lado a lado no mesmo rio: também aqui há sempre as outras, as que já concluíram a vida, as que conhecem o fim do jogo que é a vida, o sentido que ela tem, o nó do problema, o como e o porquê das danças e dos braços que lhes cingiram a cintura e dos dedos que lhes acariciaram os cabelos.
Passam caras e nelas está escrito: «Sei tudo, sei onde vão acabar a frescura e o riso. Tenho as minhas recordações», e caminham com os pés mais vagarosos: mostram experiência em lugar da beleza que as outras ostentam.
Assim o verde e o cinzento correm misturados, de manhãzinha, pelas ruas da cidade baixa.
in Antologia Poética, Flanêur, dezembro de 2017, tradução de Alexandre 0’Neill, página 27