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Rua da Estrada da política desgrenhada

Rua da Estrada da política desgrenhada

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ESTES instantâneos da Rua da Estrada e umas incursões mais demoradas por dentro do pensamento de Daniel Innerarity[1], permitem entender algo da confusão que vai no reino da política.

Pensarão uns que tratando as gruas de tecnologia elevatória, estaria tudo explicado: as gruas são como a política porque funcionam como dispositivos ascensionais para atingir patamares de poder e altitude social. Haveria para isso vários dispositivos em diferentes cores e tamanhos, subida lenta, rápida, pesada, leve, pendurada pelas pernas, a pulso, sentada, telescópica e por aí fora.

Isto traduz e alimenta o descrédito, o cepticismo, a falta de estima, a tendência para julgar a política como coisa suja. Nas pontas desta negatividade, estariam grupos opostos: os tecnocratas cínicos e os populistas generosos; os vulneráveis, pessimistas ou melancólicos, inseguros e com um forte sentimento de abandono e impotência. Os tecnocratas cínicos (no grego antigo, cínico era o mesmo que cão) viriam com as suas razões práticas e raciocínios estreitos para nos convencerem que tudo seria assim e assado, e que por serem complexos os processos de deliberação e de tomada de decisão, a legitimidade tecnocrática seria o bastante. Assustador. Os populistas generosos preferem ignorar que a política se desenrola no meio de uma imensa série de condicionantes que impede justezas absolutas, princípios abstractos em estado puro e outras ferramentas tão claras quanto impossíveis. Perigoso. Os vulneráveis (cada vez mais) são a presa fácil dos populistas; descrentes da democracia, dos governos e da política, estão mais expostos à retórica do medo e do risco, à muita ilusão que há nos rituais de participação da política das “pessoas” (quem são? quem as representa? quem as responsabiliza?). Os vulneráveis são vulneráveis, abandonados pelo poder e sentindo-se por ele abandonados. Muito mau.

O futuro não se conhece e o presente corre imprevisto, volátil, instável e, diz Innerarity, contagioso. Tudo se pode desfazer em nuvens que darão tempestades ou evaporar-se no éter porque logo virão outros temas e assuntos. Há excesso de assuntos e o mundo está demasiado aberto e por isso o contágio é tão fácil e caótico como naquela história da borboleta que bate as asas na Ásia e provoca um furacão nas Américas (se não lhe cortarem as asas)

Também é verdade que a própria política está cheia de ruídos estranhos. Demasiado atascada nos mecanismos do dinheiro que faz dinheiro ou entretida em temas e geografias desconfinadas onde não se vislumbram assembleias e cidadãos: a política parece cada vez mais um departamento da oceanografia ou da física da atmosfera, querendo Innerarity dizer com isto que o ambientalismo como música de fundo evacuou a ecologia política e pretende converter-se numa instância absoluta de legitimação, invocando a Terra, a natureza, (essa louca) o globo, o global que, como se sabe, é um aglomerado de nulidades políticas que não tem que o represente ou governe.

Diz então o homem que a política é uma aprendizagem da decepção. Que não esperemos dela nenhuma felicidade (nem do nosso banco), que é uma actividade limitada, medíocre e frustrante porque assim é a vida, limitada, medíocre e frustrante, e outros mimos.

Sair disto sem um pessimismo paralisante só se consegue com o difícil jogo de um pensamento optimista temperado com a crença e a acção de que podemos mudar as coisas e com a noção mais clara do espaço que vai entre as justas aspirações e as utopias, e a dificuldade e os limites do que é governar. Chama-se a isto a gestão das expectativas do optimismo crítico, contrário ao pessimista sarcástico ou melancólico:

deberíamos ser capaces de apuntar hacia un horizonte normativo que nos permita ser críticos sin abandonarnos cómodamente a lo ilusorio, que amplíe lo posible frente a los administradores del realismo, pero que tampoco olvide las limitaciones de nuestra condición política [2].

Por Álvaro Domingues autor de A Rua da Estrada.

[1] Ver em http://www.danielinnerarity.es/opini%C3%B3n/

[2] Daniel Innerarity, El País, Fevereiro de 2015, http://elpais.com/elpais/2015/01/27/opinion/1422386132_177795.html

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