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Fernando Echevarría (1929)

Fernando Echevarría (1929)

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DOMINGO

Ficou-lhe a paz. Do tempo
em que, movido o olhar à santidade,
parávamos no campo vendo
correr a água e adubar-se o caule
que abrirá sua roda de sustento
à fadiga do homem, que uma coroa de aves
reconhece no ar, de estar aberto
à cálida saúde da passagem.
Depois da missa, pelo domingo adentro,
crescia essa saudade
fresquíssima de estarmos tão atentos
à tarefa que, sem nós, a tarde
cumpre na terra. E mesmo ao pensamento
que amadurece nas árvores,
tocadas ao longe, no estremecimento
que se enreda por nós e em nós se abre.
Ficou-lhe a paz. O doce movimento.
que nos inclina para a primeira idade.

in Fenomenologia, Edições Nova Renascença, Porto 1984, página 139

9.
Ver-te dourava
o corpo da pupila.
A sombra. E as estátuas
por onde ver-te vinha
animal. E parava
redondo na retina.

in Antologia, Edições Afrontamento, setembro 2010, página 20

8.
A gaivota leva o fio
do voo na claridade
– que recolhe. E vai abrindo
se ao seu júbilo de nave.
À sua quilha de brilho
onde geme a brisa. A tarde
e o frágil equilíbrio
da perfeição. Que reparte,
reduz, destrinça no brio
de um azul limpo de frase.
Que a leva para um sítio
que, mais ao longe, se lhe abre
e onde só fica o ir indo
para toda a eternidade

in Antologia, Edições Afrontamento, setembro 2010, página 158

7.
Além de ver, as aves
andavam sendo vistas
e, andando, tinham graves
cintilações. As cristas

por onde andavam sendo
navegação tão pura,
mais que lugar de vento,
eram somente altura.

Altura ir além
daquele azul abstracto
em que ser visto tem

vertigem limpa de acto.
E aonde ver é cume
sumindo-se em seu lume.

in Antologia, Edições Afrontamento, setembro 2010, página 71

6.
A solidão é sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço 

5.
Junto das águas, os defuntos brilham.
A inocência de estarem a esquecer 

4.
Qualquer coisa de paz. Talvez somente
a maneira de a luz a concentrar 

3.
A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.

2.
Vem dos olhos de Deus. Espuma
e exemplo vivo de nave. 

1.
Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida. 

Poeta espanhol de origem portuguesa, Fernando Echevarría Ferreira nasceu a 26 de fevereiro de 1929, em Cabezón de la Sal, Santander, Espanha. Veio para Portugal ainda muito novo, tendo cursado Humanidades em Portugal, e Filosofia e Teologia em Espanha. Optou pela carreira docente, primeiro no Porto e depois, já exilado em Paris, onde passou a residir desde meados de 1966, após ter estado em Argel entre 1963-1966.

Escreveu sempre em português, só ocasionalmente nas línguas castelhana e francesa, e colaborou em várias revistas como: Graal, Eros, Colóquio/Letras e Limiar.

O seu primeiro livro Entre Dois Anjos foi publicado em 1956; seguiram-se-lhe: Tréguas para o Amor, em 1958, Sobre as Horas, em 1963 e Ritmo Real em 1971, que se apresentou como um livro de arte, sendo as dez gravuras originais a relevo da autoria de Flor Campino. Todos os exemplares foram assinados pela artista e pelo autor.

A poesia de Echevarría insere-se na corrente antirrealista dos anos 50 do século XX, marcada sobretudo pela sensibilidade metafísica e artística e pelo “imaginismo”.

Pode-se aproximar Fernando Echevarría de duas tendências contemporâneas: por um lado, a do desenvolvimento de uma poesia reflexiva, a que subjaz a especulação filosófica, e que aproxima o autor de alguns colaboradores de Eros, como Fernando Guimarães ou António José Maldonado, tendência, aliás, agudizada nos últimos títulos (Introdução à Filosofia e Fenomenologia); e, por outro lado, coincidente muitas vezes com a tendência anterior, a da compreensão, na esteira do simbolismo mallarmiano, da poesia como um instrumento de conhecimento, na decifração de uma dimensão absoluta e de uma verdade metafísica que podem ser entrevistas pelo uso do símbolo na condensação intensiva de todas as irradiações significativas de certas palavras.

A sua poesia encontra-se, entre outras, nas seguintes antologias portuguesas: Antologia – Prémio Almeida Garrett de 1954, Alma Minha Gentil, Líricas Portuguesas; 20 Anos de Poesia Portuguesa; Poetas escolhem Poetas e Eros de Passagem – Poesia Erótica Contemporânea.

Dos vários prémios nacionais que recebeu, destacam-se o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio António Ramos Rosa, o Prémio Fundação Luís Miguel Nava e o Prémio Dom Dinis.

Sito in http://www.infopedia.pt/

Nasceu em Cabezón de la Sal (Santander, Espanha) em 26 de fevereiro de 1929, filho de pai português — que se exilara no país vizinho na sequência do fracasso da Monarquia do Norte — e de mãe espanhola, veio com dois anos morar para Grijó, Vila Nova de Gaia. Em 1940, entrou no Colégio Cristo Rei (Redentoristas), que frequentou até 1946, seguindo de novo para Espanha onde concluiu os estudos de Filosofia e Teologia, no seminário de Astorga, após ter feito o noviciado em Nava del Rey (Valladolid). Em 1956, ano em que publicou “Entre Dois Anjos”, terminou o serviço militar em Coimbra, regressando ao Porto para dar aulas ao ensino secundário, no Colégio de Gaia. Em 1961, emigrou para Paris, onde participou nos círculos oposicionistas portugueses. Aderiu ao Movimento de Ação Revolucionária (MAR), próximo do “grupo de Argel” e de Humberto Delgado. E através de Delgado, adere à Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), e vai para Argélia em 1963, é um dos fundadores da LUAR  (Liga de Unidade e Ação Revolucionária) com Emídio Guerreiro e Hermínio da Palma Inácio. José Augusto Seabra, com quem estará mais tarde na “Nova Renascença”, é um dos seus próximos contactos intelectuais e políticos. Três anos depois, volta para Paris, onde permanece exilado até 1974. Depois de 25 de Abril, recusou lugares políticos e continua a trabalhar até aos anos oitenta como professor de Francês no Centro de Orientação Social para Refugiados. Depois regressa a Portugal e fixa-se no Porto.

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