Quem fica na cidade em Agosto?
só os pobres e os loucos,
as velhas esquecidas,
os reformados com os seus canitos.
Os ladrões, alguns cavalheiros e os gatos.
Pelas estradas desertas
ouve-se um percutir fincado de tacões;
vêem-se mulheres com sacos de plástico
na linha de sombra ao longo dos muros.
Junto da fontezinha com o pequeno touro
dentro da poça verde de algas
está uma náiade de meia idade
com cerca de dez centímetros e meio:
traz vestido apenas o soutien.
Alguns metros mais para lá,
apesar da célebre proibição,
os pombos mendigantes
circundam-te em bando
e roubam-te o pão da mão.
Ouves farfalhar no céu, em voo
estafado, o demónio do meio-dia.
in A uma hora incerta, Edições do Saguão, dezembro de 2024, tradução de Rui Miguel Ribeiro