1.
A linha ligava o Bolhão a Valongo
Por ela circularam centenas de autocarros
conduzidos por dezenas de motoristas e cobradores
Com a introdução das máquinas de validação de bilhetes
passou a haver apenas um agente
O motorista passou a agente único
a conduzir e a cobrar bilhetes
Nas horas de ponta os autocarros circulavam cheios
e só começavam a esvaziar-se a partir de S. Roque
ou da Fonte da Senhora consoante o sentido da viagem
Nalguns dias o motorista seguia sozinho mas por pouco tempo
Dentro dos autocarros ocorriam furtos empurrões
inícios de amizade e até de grandes amores
Aproveitava-se o tempo para rever matéria antes dos testes
ler um livro ou quando o cansaço era grande dormir
Fora do autocarro a vida continuava
Via-se casas a serem demolidas outras a serem construídas
fábricas a abrir e a fechar como a Mondex
Quando havia obras na estrada faziam-se desvios
o que tornava a viagem menos monótona
Se o autocarro avariava fazia-se transbordo
e os passageiros passavam a conhecer melhor os locais
que antes apenas viam pela janela
No fim do percurso os autocarros eram recolhidos em parques
onde permaneciam vazios até ao dia seguinte
Os passageiros eram a alma dos autocarros
2.
Desde que vim estudar para o Porto, este autocarro leva-me e traz-me quase todos os dias. Durante a viagem, penso em muitas coisas. Penso nas aulas que já tive, nas que vou ter e no que poderei vir a ser no futuro. E, às vezes, dou por mim a pensar no que pensarei de mim daqui a muitos anos.
Como agora, por exemplo, em que estou a pensar que, um dia, vou pensar que estive a pensar que pensava em mim.
3.
À ESPERA DO 94 NA RUA ALEXANDRE BRAGA
Um vento frio sopra sobre a cidade
No cimo da rua ouve-se o chiar de travões
Uma fila com vinte ou mais pessoas
volta-se de repente para olhar o autocarro
4.
Sentado na paragem
um passageiro à espera
com uma trotineta
PML