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Sobre o sexo dos anjos por Mario Benedetti

Sobre o sexo dos anjos por Mario Benedetti

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Umas das mais lamentáveis carências de informação de que padecem os homens e as mulheres de todas as épocas relaciona-se com o sexo dos anjos. O facto nunca confirmado de que os anjos não fazem amor, talvez signifique apenas que o não fazem da mesma maneira que os humanos. Outra versão, não confirmada, mas mais verosímil, sugere que os anjos não fazem amor com os seus corpos, pela simples razão de que carecem de erotismo, mas celebram-no de outra maneira, com palavras, quer dizer com as orelhas. Assim, cada vez que Ângelo e Ângela se encontram no cruzamento de duas transparências, começam por se olharem, seduzem-se e sentam-se mediante o intercâmbio de olhares, que devem ser angelicais. E se Ângelo para abrir o fogo diz “Semente”, Ângela para atiçá-lo diz “Sulco”. Ele diz “Avalanche” e ela ternamente “Abismo”. As palavras cruzam-se vertiginosamente como meteoritos ou acariciantes como flocos, Ângelo diz “Madeira” e Ângela “Caverna”. Voam por ali um anjo da guarda misógino e silencioso e um anjo da morte viúvo e tenebroso. Mas o par amatório não pára. Segue silabando o seu amor. Ele diz “Manancial” e ela “Bacia”. As sílabas impregnam-se de orvalho e aqui e ali, entre cristais de neve, circulam no ar, as suas expectativas. Ângelo diz “Estocada” e Ângela radiante “Ferida”, ele diz “Vibração” e ela diz “Relato”. E no preciso instante do orgasmo intraterrestre, os cirros e os cúmulos, os estratos e os nimbos estremecem, absorvem-se, explodem, e o amor dos anjos chove copiosamente sobre o mundo.

in As sombras brancas, setenta e sete poemas sobre anjos caídos de outras línguas, Língua Morta, novembro 2016, página 104, tradução de Jorge Sousa Braga

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