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Purificação Tavares: «É preciso não ficar quieto»

Purificação Tavares: «É preciso não ficar quieto»

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A ENERGIA de Purificação Tavares está à vista no seu Centro de Genética Clínica – escritórios em Lisboa, Newark e Madrid, laboratório no Porto, acordos para análises no mundo inteiro, da China ao Dubai, Brasil, Arábia Saudita… Esta médica que seguiu as pisadas do pai e avô e acabou empreendedora – e dona de uma das clínicas de referência mundial em genética. Onde se faz negócio com a excelência e serviço com a investigação.

Como é que foi o seu encontro com a genética?

Através do meu pai. Ele foi meu professor de Genética Médica na faculdade. O meu pai tem uma mente muito inquisitiva, era médico e professor da faculdade. Tem três especialidades: Anatomia Patológica, Patologia Clínica e Genética Médica. A genética, sendo uma área da medicina emergente, foi algo que o interessou. E ele foi uma das primeiras pessoas a fazer muito dos estudos de genética a nível internacional. Não só foi o primeiro professor de Genética Médica no país como criou, inclusive, a cadeira, a disciplina.

Ser médica era o que queria ser desde pequena?

Nunca coloquei outra hipótese. Sou a filha mais velha e a terceira geração de médicos. A medicina era o destino absoluto. O ambiente que se vivia em casa e os temas de conversa eram muito virados para a medicina, logicamente. Era apaixonante ouvir a descrição de tantos casos interessantes, soluções por encontrar, para fazer a diferença junto de uma pessoa que está doente. O meu avô também era patologista, além de professor catedrático de Anatomia Patológica. Foi reitor durante 15 anos da Universidade do Porto. Sendo sua a neta mais velha, convivi muito com ele e, portanto, também era fascinante ouvir tudo o que se poderia fazer – casos e soluções. Era fantástico. A medicina é uma devoção à pessoa humana, ao semelhante.

O seu pai transmitiu-lhe isso?

Sim. O meu pai transmitiu-me valores muito pessoais da vivência da medicina, que eu aprecio cada vez mais. Nomeadamente a noção de serviço. Estamos aqui, principalmente, para servir. Essa é a missão, e o serviço tem de ser bom, sempre que possível; amanhã melhor do que hoje, com a obrigação de melhoria contínua.

Ser médica era uma coisa natural mesmo sendo mulher?

Na minha família nunca senti diferença de género. Nem no meu curso ou trabalho.

Brincava aos médicos?

Sim, brincava aos cientistas e aos médicos com as minhas irmãs. As minhas bonecas estavam todas picadas.

Nunca foi uma limitação para o seu pai e para o seu avô viverem em Portugal?

Surpreendentemente, creio que não. O meu avô tem condecorações da França e da Alemanha, daquele tempo. São condecorações honoríficas. Conseguiu, mesmo naquele tempo, ter um reconhecimento internacional. O mesmo aconteceu com o meu pai – organizou, aqui no Porto, congressos internacionais e trouxe pessoas de grande nome oriundas do Japão e dos EUA. O meu pai chegou a estudar em Estrasburgo.

Como era o Porto na altura em que entrou para a Faculdade de Medicina do Porto?

Fiz a faculdade entre 1970 e 1976. Foi um tempo muito interessante, até porque havia muitos conceitos e muita aprendizagem a fazer até em áreas como a política – opções, vantagens e desvantagens…. Eu participava, evidentemente, nas assembleias, mas segui sempre o meu percurso. Gostava muito de ter férias grandes, portanto, procurava acabar o ano sempre em junho, para ter dois meses para viajar.

O seu avô ainda estava na faculdade nessa altura?

Sim.

Como é que ele e o seu pai viveram esses tempos revolucionários?

O meu pai é uma pessoa muito aberta e chegou a ser diretor da Faculdade de Medicina por indicação dos alunos. É uma pessoa equilibrada e ouve muito, não tem preconceitos. Era uma época conturbada e muito desafiante, com uma gestão difícil.

Quando é que foi para os EUA?

Em 1985. Fiquei na faculdade como assistente, tinha consultas e comecei a preparar o doutoramento. Faltavam-me alguns elementos e tive a possibilidade de ir para os EUA. Ainda vivi cinco anos em Nova Iorque. Fui para a NYU (Universidade de Nova Iorque), e fiz um estágio no Beth Israel, para ver como funcionavam os serviços de genética num hospital. Além de ver os doentes latino-americanos que apareciam, fui incumbida de fazer a divulgação do diagnóstico pré-natal na comunidade chinesa, em China Town. Ainda guardo um jornal em que aparece a minha fotografia na primeira página. Fazia palestras aos médicos chineses e às parteiras, para mostrar como a genética podia ajudar à correção de anomalias durante a gravidez. Tive de aprender as tradições e superstições chinesas. Tinha uma tradutora de mandarim.

Que tradições podiam interferir com o diagnóstico?

Por exemplo, a amniocentese, meter uma agulha para a recolha de líquido amniótico era quase impensável segundo a tradição chinesa. Por causa dos deuses que estão sempre à nossa volta. As grávidas não pegam em tesouras ou facas durante a gravidez para não espetarem os deuses, que podem vingar-se no feto. Na família tradicional chinesa, quem decide acerca da gravidez é a sogra da grávida. Por isso, muitas vezes tive de falar com elas acerca dos procedimentos que já existiam.

Teve resultados?

Sem dúvida. Começaram a usar mais o hospital e as consultas.

Gostou de viver em Nova Iorque? Onde morava?

Gostei. Morei na Rua 51 com a 1.ª Avenida. Foi uma época deslumbrante e de uma aprendizagem intensa. Lidei com pessoas de todos os países. Tinha como colegas pessoas de África, da Índia, do México ou até do Paquistão e da Coreia. Era um melting pot maravilhoso. Celebrava o ano novo com chineses e os feriados judaicos com os meus colegas judeus. Lá, aprendi a ser muito rigorosa. Há uma exigência de rigor enorme nos EUA que me fez muito bem, tal como uma grande disciplina de trabalho, de objetivos, de prestar contas e de avaliações que, na época de 1985 a 1989, em Portugal, não se vivia tanto. Nova Iorque é um lugar fantástico para se viver em qualquer altura. É um pouco a minha casa, porque lhe conheço os cantos todos.

Quais eram as diferenças ao nível da ciência entre o Porto e Nova Iorque?

Do ponto de vista científico, não senti grande diferença. Do ponto de vista da apreciação e respeito pelo trabalho, sim. Nos EUA, o bom trabalho é muito respeitado e as pessoas fazem por executá-lo e respeitam o seu próprio trabalho. É uma das coisas que fomentamos aqui no Centro de Genética, atendendo à nossa inteira dependência do bom trabalho de cada um. O respeito pelo trabalho está muito desvalorizado em Portugal. Devia ser fomentado a nível cívico. As pessoas deviam esforçar-se ao máximo para cumprir um bom trabalho e não apenas o ter um emprego. Quem tem emprego, por norma, não se empenha. E qualquer pessoa pode fazer um trabalho ótimo, seja ao nível da manutenção, da limpeza ou até da ciência. Qualquer trabalho, qualquer que seja, tem de ser bem feito e tem de ser valorizado como tal.

Que lugares visita quando regressa a Nova Iorque?

Village e SoHo, que mudaram muito e tiveram uma revitalização muito grande. Muitas vezes gosto de andar pelos cantos por onde andam as diferentes etnias na sua vida quotidiana, o que não são propriamente as zonas mais turísticas. Tenho alguns cantos especiais. Habitualmente, vou à St. Patrick”s Cathedral

Porque é que decidiu voltar para Portugal?

Casei quando estava nos EUA, mas, de qualquer modo, tinha de vir apresentar o doutoramento cá. Depois decidi traduzir a tese toda e apresentá-la cá. Creio que isso já tinha que ver com o desejo de regressar. Entretanto, houve um problema pessoal e acabei por vir para cá. O meu marido faleceu.

Deixou de estar feliz em Nova Iorque?

Sim. E gosto de estar em Portugal.

Como foi o regresso?

De certa forma, foi um alívio só ouvir falar português, de que tinha imensas saudades. O sentimento de estar a viver muito tempo fora, quase como uma emigrante, faz que se valorize tudo o que é português de uma maneira que nunca pensei ser possível. Se ouvia o hino nacional ou se via a bandeira do país, chorava copiosamente. Se ouvia alguém falar português na rua, ia ter com a pessoa.

O que acha dos apelos à emigração feitos pelo primeiro-ministro?

Acho que ele fez bem. Acho que as pessoas vão e depois voltam. Não é um drama. Voltei uma pessoa diferente e nunca teria desenvolvido o centro se não tivesse passado esse tempo fora. Os anos em Nova Iorque deram-me a consciência de que qualquer um de nós é capaz de fazer melhor do que aquilo que faz, o que é preciso é fazê-lo. Está nas nossas mãos. Essa capacidade de mobilização foi uma consciência que adquiri lá. Mas cá, provavelmente, não a teria adquirido. Teria sido mais cómodo e mais fácil e não teria as responsabilidades que tenho neste momento, e que são muitas.

Teve logo a ideia de desenvolver o centro de investigação em genética?

Tive. Hesitei entre desenvolver o centro em São Paulo ou em Portugal. Estou muito à vontade com Brasil e lá teria mais recursos no que respeita à população, etc. Mas na altura optei por fazê-lo em Portugal. E tem sido uma experiência árdua e muito trabalhosa. Quando verificámos que os prazos de resposta do Instituto Ricardo Jorge e do Instituto de Genética Médica poderiam ser abreviados, foi mãos à obra. Montei o laboratório com a minha irmã Maria do Carmo, que é bióloga, e com o meu pai.

Mas não foi fácil… O diagnóstico pré-natal antecipado era uma coisa que não era banal como o é hoje. E foi muito criticada…

Pois. Gosto de ouvir as críticas, presto muita atenção até porque é a única maneira de podermos melhorar. Mas aquelas e outras que possam existir sobre o rastreio pré-natal bem feito são críticas de ignorância. E já o eram na altura. O rastreio pré-natal foi introduzido por nós, em 1992, na Península Ibérica. Foi muito contestado na época. Diziam que não servia para nada, que não tinha utilidade alguma. Hoje, estamos a reduzir o número de amniocenteses por causa da eficiência desse rastreio. É uma verdadeira redução de gastos em saúde não só com a redução nos custos das amniocenteses, mas também de absentismo e ansiedade das grávidas. A eficiência do rastreio supera os noventa por cento.

E o seu pai, nessa altura, alinhou?

Sim. O meu pai foi sempre um grande apoiante e facilitador. Sempre. Esteve presente no início do laboratório e facilitou o consultório. Esteve sempre um passo à frente daquilo que os poetas sonham.

Está escrito em todas as paredes do centro «Goals are dreams with deadlines»…

Sim, podemos ter muitas ideias, mas se não as concretizamos numa data é como se nunca tivessem existido

Foi muito estranho ver, em Portugal, uma entidade privada a fazer investigação?

Sim, e tem os seus anticorpos. A investigação não é exclusiva das universidades, de modo algum. E isto tem de ser dito abertamente. Mas em 1992 era muito atrevido fazer investigação e inovação fora das universidades. Hoje já existe maior complacência.

Mas ainda é raro…

É porque é um investimento. No centro, nunca retirámos nenhum resultado nestes vinte anos de atividade. Todos os resultados são investidos em projetos de investigação e de inovação. Senão, não poderíamos ter crescido desta maneira.

Como é que começaram?

No início do início, o que fazíamos eram testes para colegas médicos, como cortesia.

Quando é que decidiram expandir-se para Madrid e Estados Unidos?

Sabemos que Portugal só tem 11 milhões de pessoas e que o nosso laboratório tem demasiada capacidade instalada para fazer só as amostras do país. Existem algumas áreas que nós fazemos muito bem, em que poderíamos ter muito mais volume – até triplicar. É interessante ir buscar as amostras fora até para haver diversificação do tipo de amostras. Em Espanha, como o país é muito proteccionista, como empresa portuguesa não fomos capazes de fechar nenhum contrato – é uma coisa que não se passa em Portugal. Tivemos de comprar laboratórios de genética já com acordos com hospitais e seguradoras. Eles até nos recebiam, mas ninguém assinava um contrato. Em Portugal isso não se passa, há hospitais públicos a fazer acordos com Espanha. Há hospitais portugueses que têm laboratórios que são explorados por espanhóis, que concentram as amostras em Madrid ou em Barcelona. Aqui, no centro, mesmo que venha a entrar um parceiro (e há sete anos que temos parceiros que pretendem entrar), a cláusula inultrapassável é que a produção continue aqui e nunca seja reduzida, se não mesmo aumentada.

E se a crise a obrigar a isso?

Para nós é muito mais barato fazer a produção em Espanha. O IVA é menor. Em Espanha é 18 por cento, aqui é 23. O gasóleo é mais barato em Espanha, toda a infraestrutura de uma empresa é muito mais barata lá. É muito caro ser empresa em Portugal. Mas é com estas pessoas que confiaram no projeto que devo os meus compromissos. Por isso todas as amostras são analisadas cá. Neste momento, o Médio Oriente é a zona do globo onde estamos mais implantados, onde estamos a receber mais amostras. Portanto, 14 por cento da faturação já vem do Médio Oriente. Temos parcerias em 25 países. Na Jordânia, fazemos praticamente todos os testes de genética de Amã. Todos os anos vou a Amã fazer um curso, em abril, ou então recebemos estagiários médicos aqui no laboratório. Com a Arábia Saudita temos contractos com hospitais de referência em oncologia. Nos Emirados Árabes Unidos já temos nome. Nos países árabes é muito importante a modulação do discurso na medida em que é preciso saber também a cultura e as tradições árabes, para não colidir ou parecer medicamente agressivos.

O que faz neste momento – quais as áreas de atuação e as análises mais importantes?

A CJC Genetics tem um departamento clínico que faz consultas de genética e consultas de campo familiar. Damos consultas em hospitais e apoio aos testes que são pedidos. Fazemos estudos de biologia molecular para doenças – tipo carcinomas – e todos os estudos de diagnóstico possível através do rastreio pré-natal. Fazemos anatomia patológica para estudar situações de abortamento, estudamos as anomalias dos fetos abortados e fazemos a prevenção numa próxima gravidez. Fazemos estudos de genómica clínica, em que estudamos num só teste várias doenças num espectro físico. Por exemplo, para a surdez congénita estudamos, ao mesmo tempo, trezentas mutações. Esse seria um estudo que poderia demorar cerca de quatro anos e custar dez vezes mais. A genética, bem orientada, é um fator básico para a redução de custos em saúde. Neste momento, a tendência é a medicina preventiva e a deteção precoce. Com a deteção precoce na doença não precisaremos de muitos dos gastos que temos posteriormente como consequências de infeções que não são detetadas a tempo.

Que doenças podem ser prevenidas por causa dos exames aqui feitos?

De deteção precoce, podem ser os cancros de mama e do cólon. Fazemos o rastreio de cancro de cólon em sangue. Quando dá positivo, tenho de fazer a colonoscopia, quando dá negativo, posso estar descansada. Temos um painel trombofílico que é muito utilizado em Espanha e principalmente nos EUA. Foi desenvolvido por nós, no sentido em que juntámos as várias mutações – mais duas mutações de resistência à terapêutica mais comum, num só teste. Fica muito mais barato. Indica se a pessoa tem o risco aumentado para trombose ou embolias. Quando assim é, por exemplo numa mulher, ela seria desaconselhada a fazer contraceção hormonal e a fazer a substituição hormonal na menopausa. Ou passaria a viajar de avião com meias elásticas.

Como é que escolhe onde vai investir – que testes e em que áreas?

É uma boa pergunta, porque é difícil… Recolhemos as ideias. Depois, debatemos os caminhos a seguir. Há áreas preferenciais, conforme os colegas – temos um debate interno que é alargado aos colegas de Espanha e dos EUA. Neste momento, a redução dos custos em saúde é um dos pontos fundamentais. Uma das áreas em que estamos mais interessados é a da farmacogenética. Isto é, o mesmo medicamento não atua igualmente em todos nós; metabolizamos mais ou menos rapidamente determinados medicamentos. É bom que o médico saiba, para dosear a quantidade de medicamentos, que mais não seja para poupar.

Dê um exemplo.

No cancro da mama há um medicamento – o tamoxifeno – que é bastante dispendioso. Há pessoas que têm uma pequena alteração genética que indica que esse medicamento não atuará. Este teste, que é barato, devia de ser feito antes da escolha, por defeito e para todos igual, do medicamento. A medicina vai ser cada vez mais personalizada.

As vossas escolhas são baseadas no que o mercado da saúde pode usar?

Exatamente. Os custos em saúde são uma preocupação internacional, nos EUA e na Europa, entre outros. Por exemplo, atualmente há uma grande tendência nos EUA de se fazer um teste genético que indica se a pessoa deverá tomar meio comprimido de manhã e meio à noite, ou só um de manhã. Se for um metabolizador rápido, deverá tomar meio de manhã e outro meio à noite, para manter o nível de medicação circulante. Caso o metabolismo seja mais lento, pode tomar só um de manhã. Isto explica a instabilidade de algumas pessoas ao longo do dia com determinadas terapêuticas de psicofármacos.

Já está a sentir os cortes que foram anunciados na saúde?

Não, isso seria absurdo. Estamos a minorar problemas pela deteção precoce. Por exemplo, o cancro do cólon detetado em fase tardia é uma pena – a pessoa fica com muitas sequelas e é um problema muito pesado ao nível familiar. Enquanto se for detetado no início a pessoa pode ficar curada rapidamente. A diferença é tremenda, em custos de cirurgia e em custos de consequências.

Hoje, dona de uma clínica destas, sente-se mais médica, mulher de negócios ou geneticista?

Mulher de negócios não me sinto de forma alguma. Acho que tenho mais características de empreendedora. Aliás, os prémios que recebi foram de empreendedorismo. Sou médica e não percebo de negócios, mas gosto de realizar projetos. Conseguir resolver atempadamente um problema é muito gratificante. Agora, se fazemos isso bem e se nos orientamos e conseguimos captar a confiança de hospitais e de colegas no estrangeiro que nos enviam amostras, então, o resultado vai ser bom, mas o nosso objetivo está na prestação de serviços. A médica vem sempre ao de cima. Nós tratamos pessoas, estejam onde estiverem – mesmo que na Tailândia, onde trabalhamos com um grupo de quatro hospitais de Banguecoque. Nós servimos pessoas.

Mas há uma diferença, nunca tem aquele prazer dos médicos de família de poder ver a alegria de uma pessoa que já tratou. Sente falta disso?

Muita falta. É a parte mais gratificante da medicina. Desta forma, estou a ajudar o meu colega na Tailândia ou no México a prestar o melhor serviço ao doente e a ter esse contacto pessoal.

E continua a ter tempo para a investigação?

A investigação é contínua. Faço parte do grupo de investigação. Faço muitas palestras e tenho de estar atualizada.

Qual foi a sua última descoberta?

Os painéis para várias doenças ao mesmo tempo que, de facto, custam dez por cento do que custariam.

Portanto, lá vem o negócio ao de cima…

Não. O negócio é dinheiro, o empreendedorismo é um projeto. Não lido com dinheiro. Tenho um diretor financeiro para isso. Nós gostamos de investir mais em investigação, portanto, ele coloca os limites. Essa parte não é comigo.

Continuam sem ter apoio intensivo do Estado?

Sim, exatamente.

Quais são os países onde ainda vale a pena investir?

Para trazer amostras, a América Latina, sem dúvida, e o Médio Oriente também. São países onde complementamos os laboratórios existentes, onde existem ainda uns anos de gap.

Nunca, nas muitas palestras e afins que faz, constatou que ser portuguesa é um handicap?

Ultimamente, sim. Ultimamente aquilo que as pessoas têm como referência é que Portugal está a passar por uma crise financeira muito má. Geralmente é isso que passa nas notícias. Não é um bom início de conversa. Mas depois conseguimos posicionar-nos no serviço que podemos prestar.

E qual é a sua resposta?

Digo que é estamos a passar por uma crise e que, de certeza, sairemos dela mais fortes e com maior consciência daquilo que temos de fazer.

A crise está a afetar o vosso laboratório?

Sim, porque temos um prazo de pagamento pelos hospitais do Estado que é aos quinhentos dias, em média. Tem-nos levantado problemas de tesouraria enormes. Isto é um dominó e não é só para nós. Os empréstimos já não conseguem cobrir dívidas tão grandes. Estamos a passar por um período difícil. Uma vez tivemos um pedido da clínica Mayo, nos Estados Unidos, e ficámos muito contentes. A amostra veio, mas antes dela veio o cheque. Foi pago antecipadamente, o que nos deixou completamente impressionados. Tive uma grande dificuldade em depositar esse cheque. Conto esta história porque para mim aquela era a prova de que nós conseguíamos que aquela clínica reconhecesse o nosso valor. Ali estava a prova [na secretária]. Como há dias menos bons, aquele cheque tinha um efeito muito positivo para o meu ânimo até que o diretor financeiro disse que o cheque fazia falta na conta e que trazia uma fotocópia colorida. Eram cerca de mil dólares.

Como é que tem visto o desenvolvimento da ciência, em Portugal, nos últimos anos?

Bem. Creio que bem. A investigação é um processo como outro qualquer que tem objetivos, calendário, orçamento e prazos a cumprir. Portanto, não é uma ideia vaga, mas tem de ser vista como um procedimento qualquer.

É muito difícil falar com políticos e explicar-lhes que esta área é fundamental?

Eu procuro explicar.

Esta área é completamente apaixonante. Imagina-se reformada?

Não, porque durante o ano tenho várias vezes a sensação de que estou a começar de novo. Quando começamos numa nova área ou um novo projeto. Começamos a pensar nas coisas e vemos o quanto há por fazer. Parece que estamos no princípio outra vez.

Estar no Porto condiciona-vos?

Não, de todo. Tem bons acessos. Vamos ter aqui um colega da Arábia Saudita para a semana que vem. Vem via Paris. Tivemos aqui muitos jordanos a fazer estágios. Não tem problema.

Mas nunca se sentiu prejudicada? Nenhum hospital deixou de pedir os seus serviços por estar no Porto?

Não, creio que não. Não deixou de contactar os serviços. Noto é que há mais reuniões em Lisboa e é muito difícil para as pessoas de Lisboa virem ao Porto. Mas já foi pior.

A luta que sempre existe entre Sul e Norte, Lisboa e Porto, faz sentido?

Acho um absurdo. Um país tão pequeno…

A sua intervenção política é a sua clínica e aquilo que aqui faz ou tem alguma outra intervenção?

Gosto é de ter intervenção cívica, porque acho que, a partir de certa idade, tenho de dar um contributo. Apoiar várias organizações, eventos e instituições. Estou muito preocupada com a desmotivação das pessoas mais novas e creio que temos responsabilidade quanto a isso. Tenho aceite muitos convites para falar, dar palestras e, de facto, creio que isso é uma obrigação. Não tenho pena de ver partir ao jovens, mas sim que eles não encontrem, cá ou lá fora, um projeto que seja o deles. Ver pessoas novas sem projetos é muito incómodo. Por isso, tem de se fazer qualquer coisa. É preciso não ficar quieto e é preciso encontrar aquilo em que cada um é bom. Há sempre um lugar para as pessoas, seja ou não em crise. É preciso encontrar aquilo em que somos verdadeiramente bons, e para os que são verdadeiramente bons haverá sempre lugar. E que seja cá, também. Há pessoas que vão ultrapassar a crise muito bem e nós temos de estar entre essas. O discurso negativo não é bom. Devemos muito aos mais novos. Se lhe tapamos o horizonte…

Sentiu isso quando era nova?

A mim não me taparam o horizonte. Nem o meu pai nem o meu país.

Estava à bocado a dizer que ser mulher nunca a condicionou…

Não, de todo. Mesmo nos EUA, quanto mais subimos os degraus da hierarquia acabamos sempre numa sala cheia de homens, em que sou a única mulher. É muito frequente. Neste momento, em Newark, o cônsul é uma cônsul – a doutora Amélia Paiva – que nos tem apoiado de uma maneira profissional fantástica. A diplomacia económica portuguesa está mais atuante do que antigamente. A dr.ª Amélia Paiva tem sido formidável a promover as empresas portuguesas. É de um dinamismo… Trabalha imenso e é um exemplo. Estou-lhe muito grata. Quando subimos os degraus estou só eu e ela. Quer dizer que duas mulheres portuguesas conseguiram chegar…

Não sente que para os homens é mais fácil – por exemplo nos países áreabes?

Procuro ser discreta. A minha maneira de estar não levanta problemas. Nunca foi um problema nem nos países árabes. A pessoa tem de ser muito respeitosa. E são muito cordiais comigo, não tenho problemas. Passa tudo por um pouco de atenção.

O seu pai ensinou-lhe o modo de perceber que há vários pontos de vista, que não há uma verdade absoluta. Essa pode ser ter sido a sua maior lição?

Sim. A tolerância. De manhã, quando abro o e-mail tenho um resumo das melhores notícias doWashington Post, do Le Monde, do El País e de mais um jornal português feitos por ele. Muitas vezes isso faz-nos notar as diferenças de observação, dos pontos de vista e dos comentadores. Falo de notícias com temas ligados a tudo, desde a apreciação da guerra a julgamentos notórios internacionalmente. Ele anota como são descritas de maneira diferente nos EUA, na França e em Portugal e a importância que os media têm e como devemos prestar mais atenção às nuances, às diferenças. De facto, o jornalista pode prestar mais atenção a uma coisa do que a outra.

Qual é o seu próximo projeto mais desafiante?

Este ano vai ser um ano de consolidação de todos os projetos que temos em curso, porque alguns ainda estão a decorrer – da obesidade e diabetes, com o Hospital de São João, dois da FCT, da Fundação Ciência e Tecnologia, sobre leucemias, e um outro europeu ao qual fomos candidatos.

Nunca tem medo onde isto da genética poderá levar-nos?

Não. Acho que é um privilégio viver num momento como este, com o conhecimento que temos hoje. Não trocava isto por nada.

Por Catarina Carvalho e fotografia de Pedro Correia/Global Imagens publicado in http://www.jn.pt/revistas/nm

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