A primavera chegará brevemente ao Douro como um sopro de renovação, e irá trazer com ela o despertar da Natureza. Depois dos dias frios e cinzentos do inverno, o sol principiará a ganhar força, aquecendo a terra num convite a todas as criaturas, para que a vida brote numa repetição milenar, impossível de ignorar. As árvores, antes, aparentemente adormecidas, envolvidas num torpor quase mortal, vestem-se de verde, e as flores desabrocham em sedutoras cores vibrantes, pintando os campos e jardins com tons de amarelo, verde, rosa, lilás e branco. Paleta que só a Natureza sabe completar e repetir eternamente.

Cada recanto parece ganhar um novo brilho, como se com ela celebrasse a festa de todas as festas, o renascimento do mundo em que vivemos, a sublime matriz da esperança. A atmosfera que nos rodeia neste território, onde um rio serpenteia e os barcos navegam por entre mimosas, lírios e papoilas, apresenta-se muito mais leve, carregada de aromas frescos e doces, misturados às fragâncias das flores silvestres e aos delicados cheiros da terra molhada pelas primeiras chuvas da radiosa estação, parece sorrir. Os dias alongam-se, o céu ganha tons mais claros, a luz é muita, cega e ilumina, convidando a uma maravilhosa manifestação de sensações ao ar livre, ou simplesmente a momentos únicos e inesquecíveis de harmonia e contemplação.

Os pássaros, que pareciam ter desaparecido da paisagem, remetidos ao silêncio durante o inverno, voltam a esvoaçar no ar que os anima e a cantar melodias variadas, enchendo todo o ambiente com os seus alegres e divertidos rituais de acasalamento.

A primavera afigura-se aos nossos olhos como uma época de recomeço, onde a vida parece renascer dos escombros da quase coletiva insensatez. É como se a Natureza nos lembrasse, nesses dias lindos, que mesmo após os períodos mais sombrios da história ou das nossas vidas, há sempre espaço para florescer de novo.

As pessoas também se sentem revigoradas, mais dispostas a mudar o que tem de ser mudado sem fundamentalismos estéreis, a abraçar novos projetos, a cuidar dos jardins, a caminhar pelas ruas e pelos bosques, a partilhar intimamente felicidade com o mundo ao seu redor. É uma estação que inspira esperança, criatividade e gratidão, pelos espaços do tempo em que fomos felizes.

Para além disso, a primavera traz consigo uma sensação de equilíbrio. Não é tão quente como o verão, nem tão fria como o inverno. É o momento perfeito para apreciar a beleza das pequenas coisas que nos adoçam a alma: o voo efémero das borboletas, o gracioso planar das aves, gratas pela possibilidade de tanta felicidade, o zumbido persistente das abelhas, o balançar suave das folhas das árvores por efeito de amenos ventos primaveris. É uma estação que nos convida a observar e a celebrar a vida em toda a sua plenitude.

Não é apenas uma estação. É um convite do universo para abrirmos o coração ao novo que há-de vir, para nos deixarmos encantar serenamente, pela beleza efémera de uma rosa ou de uma papoila e para acreditarmos que, assim como a Natureza se renova, também nós poderemos renascer, mais fortes, mais justos e mais sensatos do que nunca.

Ao fundo de um imenso vale, há um rio a correr feliz, na direção do Oceano Atlântico, o mar que tempera o horizonte a norte de um país maravilhoso. Sabe-se lá o que pensará uma corrente de água, a quem a primavera abençoa e cobre de flores. O que todos precisávamos de saber é que pouco, muito pouco nos basta para sermos felizes como um rio.

Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do DouroDouro Inteiro;  Douro LindoA Ninfa do DouroPalavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook;  Amanhecer; Barcos de PapelCasa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.

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