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Rey Brandão, 47 anos

Rey Brandão, 47 anos

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APÓS a juventude a suspirar por uma oportunidade no rock português, António Brandão tornou-se polícia, embora sem nunca largar a guitarra. O sonho de viver da música parece estar a tornar-se realidade agora que é Rey Brandão e lançou o segundo álbum, aos 47 anos. Nunca é tarde para fazer as próprias regras.

Durante o tempo que esteve hibernado do seu sonho, um afastamento de duas décadas em que nunca deixou de tocar por gozo pessoal, António Brandão amadureceu a ideia de viver do rock. Os arranques inflamados junto das editoras acalmaram quando terminou a tropa e percebeu que havia mais empregos do que saídas na música. Afortunadamente para ele, tornou-se agente da PSP no Porto, formou família, aprendeu a esperar.

Foi preciso chegar aos 47 anos para decidir que ia desafiar as leis – as musicais, não da polícia – e tentar ser roqueiro quando já não é jovem nem bonito como os novos talentos. O nome Rey Brandão lembra-o de que ainda pode vir a ser o rei do rock português, agora que lançou o álbum Ponto de Partida. António só espera que o público goste tanto do seu som quanto ele do swing que tem para dar há anos.

«O rock tem uma conotação um bocado marginal, contrária à ideia da lei. Mas eu sou um tipo bem comportado e espero ajudar a quebrar o preconceito instituído», adianta o músico, entusiasmado com este projeto em nome próprio que lhe colhe simpatias entre os colegas polícias e os superiores hierárquicos. «Já participei em festivais de rock mais pesado como o em Peso, toquei em Queimas das Fitas, em ambientes underground, em formações de metal que não foram avante, antes de chegar àquela idade em que decidi que tinha de ganhar a vida.

Deixei passar a revolução do rock em Portugal quando tinha 18 anos, porque me consideravam um fedelho e pensava-se que só os veteranos podiam vingar», desabafa. Agora que o mundo é dos mais novos e se vê novamente fora de época, quis arriscar tudo outra vez, num tom pop rock mais ligeiro. «No fundo, isto que ando a fazer não passa de divertimento. E enquanto ando a divertir-me e a ter prazer, vou ver até onde é que consigo chegar.»

Rey Brandão nasceu António Brandão na vila de São João da Pesqueira, em Viseu, onde viveu três anos até partir para França com os pais emigrantes. O pai estava ligado à música, tocava bandolim num grupo de amigos que se juntava aos fins de semana para esgrimir habilidades. O menino ia com ele de ouvido apurado, vendo os dedos formigarem nas cordas e sonhando com as estrelas francesas na berra nos anos 1960. «Iniciei-me no acordeão aos 9 anos, altura em que comecei a frequentar a escola de música Saint Die até virmos embora», diz.

Aos 13, a família regressou a Portugal, acordeão incluído. O rapaz tanto clamou que gostava de ser como o Elvis Presley que o pai lhe comprou uma viola no Porto, com a qual começou a cantar uns temas franceses antes de descobrir a sério os Beatles e os Rolling Stones.

«As pessoas da vila gostavam de me ouvir cantar e tocar música popular, mas tentaram sempre dissuadir-me quanto ao resto», recorda Rey, já então apregoando a quem o quisesse ouvir que aquilo de que gostava mesmo era de rock, macacos lhe mordessem se não iria ser capaz de viver da sua música. «Via bandas a surgirem em Lisboa e no Porto, que era onde tudo acontecia. Começaram a aparecer os Táxi, o Rui Veloso, os GNR, todos muito bons e mais velhos… e eu sentia-me um bocadinho defraudado, porque também compunha e tocava músicas minhas, sentia que tinha alguma coisa a dizer ao rock português.»

Não o deixaram ter a sua oportunidade a não ser em 1995, ano em que gravou Ao Som do Vento, o primeiro disco a solo. Nem sequer tinha a internet ou o YouTube para divulgar os temas como sucede agora, mostrando ao mundo o trabalho que compõe, canta, pré-produz e toca à guitarra – a arma de eleição de Rey acima da pistola, o acordeão e as teclas.

«Dizem-me que a minha música é sintética, a puxar para os Duran Duran com um pouco de ZZ Top e Pink Floyd à mistura. São capazes de ter razão», confirma o artista, habituado a ouvir que o seu estilo também dá ares a Xutos & Pontapés, GNR e Trabalhadores do Comércio (curiosamente, duas bandas cujos músicos o ajudaram a gravar Ao Som do Vento, quando lhes alugou o estúdio na Rua da Alegria, no Porto, sem saber que eram os proprietários).

«Toco todos os instrumentos menos bateria, estou muito à vontade nos instrumentais, mas na parte das letras não sou um poeta exímio e isso traduz-se em músicas mais objetivas», justifica Rey, aberto a parcerias nessa área. A um amigo com quem tem um passado no hard rock pediu ajuda nas teclas, já que em palco não terá mãos para tudo ao mesmo tempo. O filho Ruben, de 16 anos, aceitou ser baixista nos concertos, rebentando o pai de orgulho. Os três só esperam agora que as marcações caiam na agenda para mostrarem o que valem.

«No imaginário dos músicos existe sempre aquela vontade de ter sucesso, de viver do que fazem. Claro que também eu alimento a esperança de ganhar o reconhecimento do público, mas essencialmente dou tudo de mim sem andar obcecado em ganhar dinheiro. Rock’n’roll, antes de mais, é divertimento», resume António Brandão, dividido entre a incerteza da espera e a doçura de querer chegar o mais longe possível.

«Já houve músicos que não gostaram de me ouvir dizer isso, como se me tornasse menos profissional. Mas se os próprios Beatles andaram a divertir-se e conquistaram o mundo, quem somos nós para nos levarmos a sério ao ponto de não desfrutarmos do caminho?», interroga-se. O futuro ao Rey pertence.

Desemprego e amores tortuosos

O repertório de Rey Brandão requer um exército de temas que vai continuamente buscar à atualidade, a episódios do quotidiano, a vivências pessoais ou simplesmente a considerações que tece acerca da vida. «Ponto de Partida está à venda desde março e o nome diz tudo sobre o trabalho: é um recomeço esperançado, um olhar em frente cantado em português, mas a soar a inglês», afirma o compositor, músico e intérprete, enraizado nas influências anglo-saxónicas.

Desempregado é o single de apresentação do disco e não podia ser mais incisivo ao falar do medo de não ter emprego («uma vida desamparada. / Sempre falida, sempre encalhada»); XUWA é instrumental, uma área que Rey domina sem pensar, ao contrário da parte da composição; I LOVNI tem um toque futurista e conta a história de um ET que se apaixona por uma humana prometendo-lhe o universo, apesar de vir a descobrir depois que os extraterrestres não se apaixonam como os homens.

«Os desaires de amor servem de inspiração a muitas canções», sustenta o agente roqueiro. Isso e o contexto social, que costuma dar-lhe margem para enérgicas guitarradas. «Muitos gozaram comigo, disseram-me para desistir, não acreditaram. Mas olhe, aqui estou eu», remata Rey, animado. «A música é momento e eu vou fazer de tudo para ter o meu.»

Por Ana Pago

Fotografia de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

in http://www.jn.pt/revistas/nm/

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