PARA Anabela Borges deve ter sido um desafio estimulante (supomos nós) descrever, em verso e a rimar, a vida de alguns animais, incluindo a das gatas Xica e Xana. Ir além das onomatopeias não é nada fácil. Pois bem, nós colocamos-lhe outro desafio: desvendar alguns segredos das personagens e da criação literária d’AS Famílias dos Animais. A escritora, entre sorrisos, parêntesis, aspas, reticências e exclamações respondeu a todas as nossas questões (até rima!), as mais das vezes cum grano salis. Desafio superado: Cláp! Cláp!

Por Paulo Moreira Lopes

Descreve a Xica Larica como sendo uma mãe muito extremosa. Será que a Xica Larica sofre da síndrome da “mãe galinha”?

Sofre (grande sorriso). A Xica é a nossa gata. Está connosco há quase 11 anos. E é assim que trata a filha Xana. É uma mãe preocupada e atenta, embora, tal como se percebe no texto, facultando à filha a possibilidade de aprender por si. Podemos afirmar que é uma forma sábia de educar e que nós só temos a aprender com os bichos.

Quem terá ensinado à Xica Larica a ciência que lhe permite aumentar e diminuir a paciência conforme as traquinices da filha Xana Larana?

Eu creio que os animais, e particularmente os gatos, têm uma intuição muito apurada, feita de uma sábia apreensão do que os rodeia e de sentimentos, não apenas de instinto. Há anos que venho observando o comportamento dos meus animais de estimação e concluo que temos mesmo muito a aprender com eles. A Xica aprende com o que a vida lhe permite ser / fazer.

Onde e quando a Anabela aprendeu a linguagem de gatinho?

A linguagem de gatinho conheço-a desde muito tenra idade, dado que na casa dos meus pais sempre tivemos gatos. E havia um senhor, nosso vizinho, que ficava tremendamente nervoso por nos ver com os gatos ao colo. Dizia que íamos ficar com aquele roufenho nos nossos pulmões (referia-se ao ronronar dos gatos).

A Xana Larana não sente cócegas quando a mãe, Xica Larica, lhe dá banho ao fim do dia?

Muitas! E isso acalma-a e deixa-a feliz.

Não acha estranho que tenha sido o menino João (bom de raciocínio) a aperceber-se da tristeza da Lady e não os pais dele?

As crianças são atentas ao que as rodeia e surpreendem-nos a cada instante. Têm uma forma ainda bastante desconstruída, verdadeira e simples, de ver a realidade. A forma dos adultos é enfeitada de preconceitos e ideias pré-concebidas que não os deixam ver o óbvio.

A Anabela, quando era criança, também dizia à sua mãe: …é só mais um bocadinho… Eu ainda quero brincar!?

Tantas vezes!

O Sardo Sardanisco estava mesmo corado quando pediu a Sarda Sardonisca em casamento ou descreveu-o assim para rimar com enamorado?

Estava mesmo. Talvez fosse do calor, talvez estivesse um pouco embaraçado por ter sido surpreendido pelo amor (rimou: calor / amor).

A Aranha Tecedeira entre trabalho e brincadeira, com os filhos à cabeceira, atendia toda a gente porque tinha oito pernas ou porque era mesmo assim? Era defeito ou feitio?

Ela é uma mãe zelosa, trabalhadora, como muitas mães que conhecemos. Faz o seu trabalho com competência, sem nunca descurar a educação dos filhos. Uma mãe muito moderna, portanto.

Na equipa dos pintainhos os guarda-redes deixam entrar frangos?

Futebol não é o meu forte (risos)! Mas penso que, se havia “frango” que quisesse “entrar”, eles deixavam.

O Galo Galaró, sendo muito galo, não se sente incomodado por usar carúnculas compridas, como os brincos das raparigas?

Também achei graça a isso quando (d)escrevi. É talvez a prova de que nunca somos tanto mar-tanto-terra, lá no fundo. E no seu ar característico de galo muito macho, o Galaró também faz as suas cedências, o que não é fácil num galinheiro com dois galos ao poleiro.

Se a Galinha d’Água passar muito tempo a chafurdar corre o risco de ficar com a cabeça em água?

Creio que sim. Tanto mais que aquela discussão no galinheiro estava a passar dos limites, a deixar as galinhas endiabradas, baralhadas da “tola”.

Onde foi a Galinha-da-Índia buscar as penas de águia que lhe enfeitam a cabeça?

Ela foi buscar aquele colorido ao Oriente!

A Galinha-da-Guiné mal se tem de pé por ser irrequieta ou é do peso?

É talvez velha, cansada…

A Galinha-do-Mato é do tipo bicho-do-mato ou vice versa?

É bicho do campo, mais propriamente do galinheiro. E não é boa rês.

Será que escreveu bem Galinha-Sultão, não quereria escrever Galinha-Sultana (seria a mulher do Galo-Sultão)?

Não cheguei a conhecer-lhe marido. Ser “Sultão” é da sua condição. Mas é muito independente e pelos ideais democráticos.

O Burro Barrigudo, que é esperto como tudo, em que escola andou a estudar?

O Burro Barrigudo aprende na escola da vida com os homens, mas aprende tudo ao contrário: o que não deve ser, o que não deve fazer. Isso é que faz dele um burro muito esperto. Faz lembrar aquele burro das fábulas de Esopo – o que enganou o lobo.

Na Quinta da Alegria não havia nenhum professor de música para ensinar a Cabra Cabrete a cantar outra cantiga que não fosse: mée-mée-mée (coitadinha da cabra!)?

A Cabra Cabrete não passa de uma menina mimada e insegura. Não vai lá, nem com professor de música (sorriso irónico).

É no Bosque das Sete Cores que vive a Menina das Sete Saias?

Creio que a Menina das Sete Saias vai, por vezes, à clareira do Bosque das Sete Cores para ouvir as melodias do Grilo Pianista. E fica lá, caladinha, disfarçada por entre os restantes animais. Mas, se não estou em erro, mora na Nazaré.

O Grilo Pianista atuava por entre o cheiro das flores para a música ficar florida?

Ou para as flores ficarem musicadas.

Quando diz que a Cigarra Cantadeira era muito gaiteira quer dizer que tocava gaita?

Não se lhe conhecia gaita (de beiços), mas lá que era esperta e folgazona, lá isso era!

Os cochichos são exclusivos dos bichos?

Oh, não, não. Isso é que não! Então e as vizinhas da minha mãe?

O que dirá a formiga do namoro entre o Grilo Pianista e a Cigarra Cantadeira?

– Aqueles folgados não têm mais o que fazer? Humpf!

(de braços cruzados ao peito, sobrolho franzido e a bater o pé direito). A inveja é feia…

As corujinhas que não eram netas da Avó Coruja também chamavam avó à Avó Coruja?

Sim. Como eu fazia quando era pequenina. Como já não tinha os meus avós, chamava avó Quina à avó da minha amiga.

Por que é que a Avó Coruja punha os óculos na ponta do bico e não em frente aos olhos? Será por não ter orelhas como nós?

(risos) O que ela precisava era de uns óculos progressivos, mas não tinha…

Algumas das fábulas do livro As Famílias dos Animais não terão sido copiadas do grande Livro Das Histórias de Encantar da Avó Coruja? Pode confessar que nós não levamos a mal?

(Tosse) Cof, cof… Onde está esse livro? Alguém o viu?

Sendo velha, velha como o tempo a árvore onde vivem todos os macacos, como é que aguenta tanta macacada?

Não é fácil. Por isso é que foi necessário restabelecer a ordem. As árvores contêm grande sabedoria e são resistentes a todo o tipo de teimosias. Em grande parte dos casos, morrem de pé.

O Rei Macacão era o Rei dos macacos por fazer mais macacadas ou por ser mais macaco que os outros macacos?

Era mais macaco. Podia ser como um político, velhaco e manhoso.

A mulher do Rei Macacão chama-se Rainha Macacoa?

Ouvi dizer que ela era a rainha da noite e que tinha fugido, numa motoreta, com outro macaco.

O Macaco Escritor às vezes escreve macaquices?

Escreve muitas! Mas até para isso precisa de concentração.

O Macaco Sem Caco é assim designado por não saber comer com regras, ou seja, comer sem prato?

Além disso, tinha pouca substância no cérebro.

A Girafa Giraflor sonhava alto por ser muito alta ou por ser sonhadora?

Era pelos dois motivos. Foi a minha filha Inês que assim quis. Assim se fez (rima: Inês / fez).

Quando concluiu o livro As Famílias dos Animais também suspirou como a Girafa Giraflor: AH!?

Suspirei interiormente, com alguns medos e incertezas.

Já vimos que o convívio com os animais enriqueceu o seu rol de onomatopeias (forma de linguagem dos animais). Não se importa de enviar a lista ao Homo Onomatopaico?

Esse senhor, de parcas palavras, quererá enriquecer o seu vocabulário às custas dos meus bichos?

Uma última pergunta: afinal são os animais que fazem amigos, apaixonam-se e casam-se e cuidam dos filhos como nós, ou somos nós que somos como eles?

Começo (cada vez mais) a inclinar-me para a segunda opção. Mas como o livro é para ser lido por humanos, fica assim.

Publicado originalmente em 25 de Janeiro de 2015

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