Maio chegou, trazendo consigo o esplendor das flores. Uma gota de orvalho, pura como lágrima de criança, despertou sobre a pétala de uma rosa, brilhando sob os primeiros raios do sol. O jardim inteiro respirava vida, pétalas que murmuravam ao vento, asas de insetos que teciam melodia no ar. E a rosa vermelha, soberana, balançava graciosamente, entregue à brisa que seguia leve, rumo ao infinito.

No varandim de uma casa voltada para o sul, Amélia observava o horizonte. Os seus olhos, mais profundos que o rio Douro a serpentear aos pés da colina, procuravam algo para além do reflexo das águas tranquilas. Aguardava, na luz do novo dia, uma claridade que nenhum sol lhe poderia dar: o sorriso da sua mãe, aquele que aquece a alma e ilumina até as sombras mais escuras.

O rio, indolente, carregava no seu espelho pedaços de céu e pétalas caídas, restos de beleza passageira a flutuar na água. Amélia sorriu ao ver uma delas, vermelha como a aurora, resistir à corrente, girando sobre si própria antes de se render ao seu destino. Era como se a primavera lhe falasse ao ouvido:
– Até tudo o que se vai na água do rio deixa-nos parte da sua beleza.

Mas de dentro si, do seu coração inquieto, respondia em silêncio:
– E o que fica, afogado na saudade?

Enquanto isso, no jardim, uma frágil rosa branca no canto em frente à casa, desfalecia, pétala após pétala, sob o calor do sol.

Amélia não viu, mas sentiu, um perfume novo, doce e efêmero, a misturar-se no ar. Era o mesmo aroma que os cabelos da mãe traziam ao envolvê-la nos abraços, nas felizes manhãs de outros tempos.

Porém, aquela manhã florida ficaria gravada na memória da natureza que teve o privilégio de testemunhar sozinha um instante tão doce e tão terno. O vento guardaria o eco do seu suspiro. O rio, nas suas águas fugidias, preservaria eternamente a imagem daquela cena. E Amélia, ainda sem respostas para tantas perguntas, entenderia que alguns amores não partem para sempre, apenas se transformam. Voltam à terra, transformam-se em flores, árvores ou vento, fundindo-se com a natureza de forma tão íntima, que cada brisa ou folha balançando, pode ser um suspiro seu.

O rio é feito de águas que refletem o céu, a terra e os rostos daqueles que já se foram, mas que seguem vivos, cravados em nós. Eu também tive mãe, pai e irmãos que agora são luz, dançando nas correntes do rio. E, como os olhos marejados de lágrimas de Amélia, os meus todas as manhãs buscam esse espelho mágico, e é lá que os vejo vivos, a sorrir para mim.

Maio, o mês das flores.

Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do DouroDouro Inteiro;  Douro LindoA Ninfa do DouroPalavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook;  Amanhecer; Barcos de PapelCasa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.

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