AO engodo de medalhas e bandeirinhas coloridas, o turista desavisado descobrirá logo à saída do aeroporto, o avesso do avesso das maravilhas da cidade olímpica. O Rio continua lindo diz no cartaz do ônibus refrigerado mas da janela não se vê ainda o corcovado. Um horizonte de precaridade sem fim se estende pela imensa baixada despida do charme pitoresco das favelinhas do morro. Mas o espectador olímpico pode até distraír seu olhar no ondular distante das montanhas, e quase esquecer a massa humana dessa paisagem ignorada, não fosse a insistência do moço insano batendo à janela no meio do trânsito para vender coca-cola água e cerveja gelada.

E a vida segue que o espetáculo se aproxima, com a tranquilidade prometida pela lei anti-terrorismo e auto-proclamados estados de salvação nacional. Não admira que desde os  tempos mais remotos, os jogos olímpicos tenham sido um reduto de paz no permanente estado de guerra das cidades-estado. E para lá do estado das coisas do caos e da crise e do crime, os preparativos da festa continuam, que a vitória é certa e deus está no controle. Tudo na mais perfeita paz a bem da ordem e progresso da pátria, para fazer um dinheirinho extra e pagar a renda do puxadinho lá na baixada.

Tranquilizem-se os visitantes ao atravessar a rua da estrada da miséria olímpica. Polícia militar e forças armadas cumprirão sua nobre missão de acalmar os ânimos com balas de borracha gás e chumbo para os desordeiros e seus incómodos boicotes. O presidente de serviço receberá seus louros como Nero, seguindo as pisadas do imperador romano para fazer dos jogos seu mais caro objeto de campanha abjeta. E o turista inocente poderá enfim ceder às cariocas miragens, “daquelas mulheres de Atenas, que fustigadas não choram, se ajoelham, pedem, imploram. Mais duras penas, cadenas*”.

* Chico Buarque, “Mulheres de Atenas”.

Texto de José Barbedo

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