NÓS não fazemos aceção de pessoas, ele também não. Daí o desafio. Num jogo entre enigmas, aforismos, slogans, trocadilhos e muita frontalidade, Mário de Oliveira ou Padre Mário, como é comummente conhecido, confessa-se um homem de paz desarmada. Mas, acima, a meio, debaixo, antes, no entretanto e depois de tudo: um menino incorruptível. Por isso, às perguntas mais provocadoras não nos deixa ficar mal. Nem bem. Responde com naturalidade, sem papas na língua. As aparências (e aparições, para sermos mais corretos) não têm sorte com ele.

Por Paulo Moreira Lopes

Quando se apresenta diz que é o padre Mário ou que é o Mário?

Para mim, dizer Mário e Padre Mário, é dizer a mesma pessoa, única e irrepetível, que sou, ainda e sempre em vias de ser até à plenitude do humano. Desde que fui ordenado presbítero da Igreja do Porto, é esta a minha identidade substancial. O ser humano concreto que sou, filho da Ti Maria do Grilo e do Ti David, é, desde então para cá, Padre Mário. Não tenho como despegar Mário do padre/presbítero da Igreja do Porto. Por isso, mesmo como jornalista profissional, agora já na condição de reformado activo, sou Padre Mário. Por mais que o B.I. me diga simplesmente Mário. E não se pense que é um privilégio para mim. É uma responsabilidade acrescida que vivo com alegria e como um menino entre e com os demais. Bem longe dos templos e dos altares.

É sacerdote, vive como sacerdote, pensa como sacerdote e tem complexos de sacerdote?

Em 5 de Agosto de 1962, fui ordenado presbítero da Igreja do Porto. Não fui ordenado sacerdote. No universo de Jesus, o filho de Maria, que deverá ser também o universo da Igreja que se reclame do seu nome, não há lugar para sacerdotes. Só para seres humanos. Em mim, o presbítero é a minha forma de ser humano maduro, autónomo, irmão universal, responsável por toda a criação. Com uma especial sensibilidade para dar pela presença das vítimas humanas e outras, e viver organicamente entre elas e com elas. Por isso, pobre por opção, desde o primeiro dia. Lamento que o Paganismo tenha entrado na Igreja, destronado o Evangelho de Deus que é Jesus, e esteja escancaradamente, desde então, ao comando dela. Cabe-me resistir-lhe, não deixar que ele se apodere de mim. Por isso, presbítero, não sacerdote. Com a missão de Evangelizar os pobres e os povos.

Por ser de Oliveira, considera-se um homem de paz?

Não seria ser humano, se não fosse homem de paz. Paz desarmada, já se vê. Por isso, nos antípodas da paz armada dos impérios. Paz ostracizada e crucificada, como Jesus, a nossa Paz. Porque os Poderes, o que mais odeiam, é uma mulher, um homem paz desarmada. Mas só mulheres, homens, assim, paz desarmada, humanizam/sororizam[1] o mundo.

Quando reza, reza com Deus, para Deus ou sem Deus?

Quem lhe disse que eu rezo? Prefiro que seja Deus que nunca ninguém viu e nos habita mais íntimo a nós que nós próprias, nós próprios, a rezar em mim. Rezar, reproduzir fórmulas ou dizer muitas palavras, é uma actividade típica das religiões, todas perversas. Querem-nos infantilizados, a vida inteira. A crescer no medo. Não vou por aí. Aprendo com Jesus a viver sempre com Deus, mas sempre sem Deus. Por isso, como se Deus não existisse. Mesmo nas situações mais extremas e difíceis, é sempre a mim próprio que apelo. Ao que há em mim de mais profundo e íntimo. Não a Deus. Só assim cresço de dentro para fora. Se apelasse/recorresse a Deus, cairia na idolatria religiosa. Cresceria Deus e eu diminuiria. Não vou pela fé religiosa. Vou pela mesma Fé de Jesus, que me religa maieuticamente a todos e a todo o cosmos. Não frequento os mercados das religiões. Nem os seus santuários. Não sou eu que digo Deus – seria idolatria! – é Deus, o de Jesus, que nunca vejo – que me diz. As religiões não têm qualquer sorte comigo. Todas me são estranhas. Os seus chefes são mercenários, ladrões e salteadores, no desassombrado dizer de Jesus, o do Evangelho de João. Não entram pela porta da casa do universo, que é o ser humano pleno e integral, Jesus, o de antes do cristianismo, mas por outro sítio, o do Poder. Cabe-me, como a cada uma, cada um de nós, viver, cada dia, cada hora, cada instante, como se Deus não existisse. E é assim que procuro viver.

Foi viver e pregar para a Lixa com o objetivo de aperfeiçoar e/ou chatear os outros?

Lixa (Macieira da Lixa) colou-se para sempre ao meu nome, desde que, no início da década de setenta do século XX, fui nomeado pelo Bispo António Ferreira Gomes, seu pároco. Como é sabido, o ofício eclesiástico traz, geralmente, acoplado um benefício eclesiástico. Por isso, se não nos acautelarmos, pouco tempo depois de o assumirmos, somos corrompidos pelo benefício e tornamo-nos agentes de corrupção. Para que tal não acontecesse comigo, sempre me comportei, entre as populações e com elas, como uma espécie de anti-pároco. Estava na função, mas como ser humano maduro, nunca como Poder. E com o objectivo de fazer implodir aquela função, no que ela tem de Poder. Desse modo, não fui corrompido nem me tornei agente de corrupção. Sempre fui companheiro de todas as horas das populações que fazem esta aldeia do concelho de Felgueiras.

Obviamente, nove meses depois, já era um pároco preso político em Caxias. Quem não se deixa corromper nem se torna agente de corrupção, é politicamente subversivo e tem de ser preso político. Ou, se em regime democrático, um ostracizado político. Nenhum dos três Poderes que dominam o mundo, confia num ser humano que não se deixa corromper. Os três sabem bem que um ser humano assim sempre os deixa ficar mal, na hora de tomar decisões menos transparentes. Foi o que me sucedeu. Depois de duas prisões políticas, como pároco de Macieira da Lixa, e de outros tantos julgamentos no Tribunal Plenário do Porto, o mesmo Bispo que me havia nomeado, retirou-me, subrepticiamente, a paróquia e confiou-a a outro. E eu vi-me, de novo, como no dia 5 de Agosto de 1962: presbítero da Igreja do Porto, simplesmente. Sem ofício eclesiástico e sem benefício eclesiástico. Incorruptível, portanto. “Irrecuperável”, para o sistema eclesiástico e qualquer outro, como de mim diz, em 1968, o Bispo castrense, D. António dos Reis Rodrigues, quando, juntamente com o quartel-general, me fez expulsar de capelão militar na Guiné-Bissau, por ter-me atrevido a pregar a Paz desarmada aos que nossos soldados armados que faziam a guerra.

Presentemente, há mais de 9 anos que vivo de novo em Macieira da Lixa, mas, desta vez, por opção minha, por isso, não mais como pároco, apenas como presbítero da Igreja do Porto. Numa casinha arrendada. E com a minha pequena reforma (660,00€/mês), de jornalista. Numa presença, estilo vasos comunicantes, entre as populações e com elas. E, daqui, conectado em permanência ao mundo, via internet, youtube, facebook, correio electrónico, telemóvel, Jornal Fraternizar online, encontros ao vivo, lá, aonde é desejada a minha presença, e através de muitos livros que escrevo e edito. O que significa que só tenho entrada efectiva na vida das populações, se elas me desejarem e acolherem nas suas mesas, já que, como presbítero, não tenho templo nem altar, só mesas compartilhadas, como Jesus. Obviamente, a esmagadora maioria das pessoas continua a preferir o pároco que o é desta freguesia e de mais três, uma espécie de funcionário eclesiástico, em tudo semelhante aos funcionários intermédios de uma grande multinacional, que muito raramente vê o patrão, no caso, o Bispo residencial da Diocese. É um funcionário inevitavelmente corrompido pelos benefícios eclesiásticos que aufere e, nessa mesma medida, agente de corrupção das populações. Um felizardo infeliz que desconhece a ternura, a liberdade, a autonomia, o afecto, a gratuidade, a maiêutica. Não passa de um agente mais, do Poder eclesiástico, sobre as populações das quatro paróquias. E, simultaneamente, de um súbdito obediente e reverente mais, no que respeita ao Bispo residencial, patrão de turno, da Diocese do Porto. Uma infelicidade de fazer chorar até as pedras. Mas que ele, para seu mal, não chega sequer a dar por isso. Tão pouco as populações, suas vítimas.

É capaz de julgar a orientação sexual de um homossexual que procura Deus de boa vontade? (afirmação do Papa Francisco)

Para mim, não há sequer esse tipo de linguagem, a não ser quando participo em debates e em tertúlias sobre esse tipo de questões. Para mim, como para Deus, o de Jesus, há seres humanos, simplesmente. Mulheres e homens. Heterossexuais e lésbicas, homossexuais, bissexuais, transexuais. O que não for assim não tem a marca, o Sopro, a Ruah de Jesus. É Poder, por isso, formatador e assassino da especificidade de cada qual. Todas as mulheres, todos os homens são minhas irmãs, meus irmãos. Não faço acepção de pessoas. Deixo-me surpreender por cada uma, independentemente da sua orientação sexual. Homofobia não é comigo. E bato-me pela radical igualdade de todas, todos. Costumo dizer, a este propósito, e porque está em conformidade com o meu viver quotidiano, E Deus nos fez homossexuais/heterossexuais e lésbicas. Faço minha a sigla da comunidade LGBT, porque a humanidade é arco-iris, ou, simplesmente, não será. Esse dizer do Papa Francisco é interessante, mas peca por ser inconsequente. Soa menos mal do que o tradicional dizer dos papas que o precederam, mas, na prática, continua a ser mais do mesmo. O que nos define não são certas afirmações que fazemos, mas as práticas que vivemos. Eu, como presbítero heterossexual, tenho de pedir perdão porque, em todos estes milénios de humanidade, o mundo sempre tem sido formatado pelos heterossexuais, para mal deles próprios. Onde só o Poder tem voz e vez. Não é assim o mundo de Deus, o de Jesus, todo arco-íris, onde os seres humanos, sem discriminação de nenhuma espécie, temos voz e vez.

Se existe um PapaShow Francisco também existe um PadreShow Mário?

Mas o que há de substantivamente comum, entre o pomposo e poderoso ser-viver do papa Francisco e meu simples ser-viver de presbítero da Igreja do Porto? O que há de comum entre um papa e um ser humano, simplesmente? Ou ignoramos que no dia em que um ser humano aceita ser papa de Roma, desaparece como ser humano? O papa de Roma, pelo simples facto de o ser, é o Poder monárquico absoluto e infalível em todo o seu esplendor. Para cúmulo, o actual papa de Roma faz-se chamar Francisco. Mas que há de comum entre ele e Francisco de Assis? Ou será que vivemos tão ofuscados pelo Poder monárquico absoluto e infalível – é assim o poder do papa de Roma – que ainda pensamos que quem atinge esse patamar mais alto da pirâmide, alcança a pleno do humano? Ignoramos que o Poder no seu grau máximo é de todo incompatível com o Ser Humano? Deixe-me cantar, a propósito desta sua pergunta: Sou uma menina sem eira nem beira / a terra me ensina a ser companheira / Não sei de poderes a pura demência / tenho por comeres Jesus e Ciência.

Também acha que arranjaram um Deus que mete medo? (afirmação de Anselmo Borges)

Só um Deus? Muitos. Todos esses deuses e deusas que têm sacerdotes e pastores, intermediários e funcionários ao seu serviço, são fonte de medo. Na verdade, não passam de tigres de papel, como a deusa/senhora de Fátima, que, até, para mudar de sítio, precisa que alguém pegue nela e a transporte nas mãos ou numa viatura. O trágico, é que enquanto não erradicarmos de dentro da nossa mente esses deuses e deusas, e continuarmos a ter medo deles e delas, ao ponto de rastejarmos perante as suas imagens, nunca chegaremos a ser gente. Não passamos de carne para canhão, sacrificados/imolados aos deuses e deusas. Com sacerdotes religiosos ou laicos a presidir e a legitimar estes hediondos crimes.

Deus não dorme?

Direi, por outras palavras, mais teológicas, que o Deus Poder nunca dorme! Por isso, se quisermos resistir-lhe, temos de estar acordados, até mesmo a dormir. Ou somos como meninas, como meninos, vida fora, ou não chegamos ao patamar do, plena e integralmente, humano. Preferimos ser capachos e agentes do Deus Poder que nunca dorme. E, como ele, também nunca dormimos. Nunca amamos. Nunca somos. Só fornicamos. E, quando, tarde demais, dermos por isso, já não somos mais que uns robots. Uns estúpidos chico-espertos. Uns canalhas engravatados, disponíveis para todo o tipo de serviços sujos!

Deus escreve direito por linhas tortas?

O ditado popular assim o diz. Mas a realidade é exactamente o contrário. Deus, o de Jesus, entorta todas as linhas politicamente correctas e direitas com que a esta ordem mundial assassina se tece, numa hipocrisia planetária que, se não estamos vigilantes, nos descria, a cada instante. Por isso, o Deus de Jesus é um Deus crucificado, não crucificador, como o Deus Poder. Os povos, quando se experimentam habitados por Ele, mais íntimo a eles que eles próprios, deixam de ser povos-capacho e passam a povos-tsunami político, que destroem todas as linhas politicamente correctas e direitas com que se tece esta perversa ordem mundial que os asfixia e mata. Com o papa de Roma, no topo da pirâmide. Esqueçamos, duma vez por todas, tudo o que nos disseram sobre Deus. Matemos esse Deus que escreve direito por linhas tortas, fonte de terror. Porque é o Deus Poder. Levantemo-nos, politicamente desarmados, e a ordem mundial ruirá como um baralho de cartas. E assumamos, finalmente, a nossa própria vida pessoal e colectiva, segundo o princípio dos vasos comunicantes. Esse é o primeiro dia da Humanidade com Deus mais íntimo a ela que ela própria, a viver todos os dias como se Deus não existisse!

Deus tarda, mas não falha?

E Você a dar-lhe com Deus! Até parece que está possesso. Ainda não se apercebeu que, quando este nosso tipo de mundo diz Deus, está a dizer Poder monárquico absoluto e infalível, omnipotente, omnisciente, omnipresente? Permita-me, por isso, que, a esta sua pergunta, eu responda assim: o Poder tarda, mas não falha. Deus? Só mesmo crucificado. Ou assim, ou é simplesmente mais uma das muitas máscaras do Poder!

Deus tem cócegas? (enigma de Augusto Baptista in azul-canário)

Será por eu ser padre/presbítero que Você me coloca este tipo de perguntas? Não tem mais nada para me perguntar? Alguém, alguma vez, viu Deus? Mas então de que estão as pessoas a falar, quando dizem “Deus”. Deixemos Deus para lá, e ousemos mergulhar na realidade, que é o quotidiano das populações, um verdadeiro inferno, cujos diabos são todos os agentes do Poder, a começar no Papa de Roma, no topo da pirâmide, e a acabar, no que a nós respeita, no Aníbal, chefe de estado de Portugal. Os mais estéreis e os mais feios seres do planeta. Carregados de ódio a tudo o que é inocência, beleza, fragilidade, ternura, poema, afectos, abraço, beijo, paz desarmada.

O Deus dos outros existe? (enigma de Augusto Baptista in azul-canário)

Outra vez, Deus? Porque raio não se faz ateu ou agnóstico? Fale-me dos seres humanos. Das mulheres e dos homens. Dos milhões que estão nas cadeias, como criminosos, quando os verdadeiros criminosos são primeiros-ministros, vice-primeiros-ministros, donos de multinacionais, grandes sacerdotes à frente de grandes santuários, a saudar em várias línguas, as populações suas escravas, capachos dos seus pés. Saiba que não há Deus que se veja. Há o Poder. E as vítimas do Poder. São estas que, ao levantar-se, desarmadas, nos revelam, dão a conhecer o Deus outro que nunca ninguém viu. Nem elas. E que frequenta, como o vento/sopro politicamente subversivo e conspirativo, todos os porões e todas as valas comuns da humanidade.

Deus dá nozes a quem não tem dentes?

Deus, ainda? Mas que ataque de Deus lhe deu? Já reparou que, do nascer ao morrer, não sabemos outra cartilha que a catequese dos clérigos e dos pastores de igreja, essa espécie de seres que se separaram do resto das populações e se têm na conta de santos, puros, guias dos demais? São essas criaturas que nos infernizam a vida e que nos metem todo o tipo de petas. Só porque em terra de cegos, quem tem um olho é rei, é Poder. Mas só até ao dia em que alguém, na esteira de Jesus, acorda a luz que dorme dentro das populações cegas de nascença e elas vêem quanto têm sido comidas pelo Poder mascarado de Deus e começam a dar corpo, nos seus próprios corpos, a uma terra outra, sem deuses nem chefes, só irmãs, irmãos, vasos comunicantes.

Se sofro, logo Deus existe?

Uf! Já não suporto mais este seu ataque, com Deus, como arma de arremesso. Oiça, duma vez por todas: Se sofro, o Poder existe. Porque o Poder, mascarado de Deus, é a causa de todos os males, de todas as tragédias. Todos os outros delitos, pequenos delitos que levam milhares, milhões, às cadeias, são derivados do Deus Poder, criador de infernos, nos quais já somos obrigados a nascer. Porque, até agora, tudo é do Poder. E quem lhe resiste e o desmascara é crucificado. Ser humano, mas crucificado!

Se Deus não existisse teria de ser inventado?

Não, não teria. Duma vez por todas lhe digo: o Deus de que fala é o outro nome para dizer Poder omnipotente, omnisciente, omnipresente. A fonte de todo o terror. O criador de todos os infernos, também os nucleares. Mais os infernos da fome e da pobreza em massa. Tenha dó. Tanto Deus, tanto Deus, mas só para esconder tanto Poder, tanto Poder, que até os próprios ateus acabam por ser os seus principais adoradores. Não lhe chamam Deus, obviamente. Chamam-lhe Poder, Dinheiro. Hoje, o Poder financeiro global. Por favor, ateus, meus irmãos, não digam mais que são ateus. Falem verdade e digam que o vosso Deus é o Poder, nomeadamente, o Poder financeiro, porque sois vós, hoje, os seus mais fiéis adoradores. Para vosso mal. E mal da Humanidade.

Foi Cristo quem sonhou a Bíblia, e que dedicou a curta vida a construir intensamente, vivendo-os, os episódios que haveriam de a compor, e que os outros haveriam de escrever, como Ele sabia? (adaptação de aforismo de João Pedro Mésseder, in À sombra dos livros, Culturprint, abril 2013)

Cristo? Mas então não sabe que Cristo é um mito, sob o qual se esconde algo de tremendamente real e histórico – o Poder vencedor que jamais é vencido por nenhum outro?! Neste sentido, mas só neste sentido, é correcto dizer que Cristo = o Poder vencedor criou a Bíblia, como criou o Alcorão, e todos os outros livros ditos sagrados. É com esses livros ditos sagrados que os seus manipuladores nos têm feito toda a espécie de ninhos atrás das orelhas e nos fazem viver de cócoras. Jesus, o filho de Maria, é o anti-Cristo. Visceralmente, anti-Cristo. Por isso, é o crucificado pelos três Poderes, distintos, entre si, mas os três, um só. Esta seria uma longa conversa que, infelizmente, ninguém está interessado em alimentar. Porque, dois mil anos depois, Jesus, o de antes do cristianismo, continua a ser o grande desconhecido, a começar pelas maiores universidades do mundo! Apenas conhecem o mítico Cristo que impuseram às populações, para que elas nunca cheguem a conhecer/prosseguir Jesus.

O Santuário da Resposta (IURD) é a solução para todos os nossos problemas? (Título da capa do Jornal da IURD)

Você disse IURD? E não vomitou, ao dizer esta sigla?! O que quer que lhe diga, se todo esse pequeno-grande monstro só me faz vomitar? Aceita os meus vómitos como resposta? Nada mais perverso, dentro do perverso que é o Poder vencedor, que a IURD é. Mas a IURD é apenas um dos mais recentes ramos visíveis da máfia Poder. E por aqui me fico. Quem quiser entender que entenda!

O diabo é cego, surdo e mudo?

O que se costuma dizer não é essa afirmação, mas outra muito parecida e totalmente diferente: Que o diabo seja cego, surdo e mudo! Vale como uma categórica afirmação, por parte de quem a faz sua, de que é alguém acima de toda a suspeita, que não está metido em nada dessas sujeiras que é suposto o diabo fazer. O diabo é um mito. Como tal, inofensivo. Mas, tal como o Cristo, quando adquire rosto e nome em alguém que aceita entrar no universo do Poder, é um desastre e causa de sucessivos desastres. O hoje português e europeu – 2013 – é suficientemente revelador, neste particular. Os que institucionalmente mais se nos apresentam e são apresentados como acima de toda a suspeita, são, na realidade, os mais sujos, os mais corruptos, os mais cúmplices, os mais monstros. Porque, sob aquelas vestes brancas e aquelas mãos limpas, anda muito sangue derramado. E é esse sangue que todos eles bebem, nas suas liturgias sacras e laicas.

O diabo às vezes tece-as?

Bem, depois da sua obsessão de Deus, vem-me agora com a do diabo. Mas olhe que dizer diabo e dizer deus é a mesma coisa. Um e outro escondem-nos a realidade mais real que são as vítimas humanas, hoje, mais de dois terços da humanidade, fabricadas pelo Poder, com todos os seus exércitos de agentes históricos, armados uns, de colarinho branco, outros, mas assassinos e algozes, todos. Nos governos e nos parlamentos das nações. Nos quartéis e nas grandes multinacionais. Nos templos e santuários.

Onde e quando se encontra o diabo a quatro?

O diabo Poder, como o Deus Poder, está em toda a parte. E lá, onde está, está sempre a quatro. Mesmo e sobretudo, quando veste de papa sorridente, de cardeal, de cónego, de bispo residencial-empresário, de pároco-funcionário do religioso, de senhora de Fátima. Ou de Obama, de Merckel, de Paulo Portas, de Passos Coelho, de Aníbal-chefe-de-estado. Ou de Amorim, de Belmiro de Azevedo, de patrão do Pingo Doce, ou de uma qualquer SAD do futebol dos milhões. Ou de offshores na Madeira ou em qualquer outra parte do planeta. Numa palavra, lá onde estiver o Dinheiro, como único senhor!

Afinal, o que é que acontece enquanto o diabo esfrega um olho?

Olhe, milhões e milhões de pessoas, no mundo, ficam sem trabalho, sem casa, sem família, sem afectos, sem hoje, sem amanhã. E milhões e milhões de crianças ficam por nascer, porque neste tipo de mundo dirigido/dominado pelo Dinheiro, já nem há lugar para se nascer! Basta o senhor Dinheiro dar um espirro, e as Grécias todas do mundo ficam a ver navios. De bolsos vazios.

A última e mais transcendente das perguntas: admite ou já admitiu um dia vir a ser canonizado por esta Igreja?

Canonizado, eu? Nem por esta igreja, nem por nenhuma. Só são canonizados os que desistiram de seres humanos e aceitaram ser agentes activos e lacaios do Poder, místicas, místicos de olhos fechados, gurus/guias de populações impedidas de crescer de dentro para fora, até serem sujeitas dos seus próprios destinos. Um ser humano orgânico com as populações mais ostracizadas e mais cuspidas pelos poderosos, sororal e maiêutico, numa relação vasos comunicantes com todas e todos, nunca será canonizado por nenhuma igreja. A menos que alguma delas decida matar-lhe definitivamente a alma/identidade, ao transformá-lo, depois da sua morte, num ídolo de altar. Nunca eu poderia perdoar a alguma igreja religiosa ou laica que me fizesse essa malfeitoria. Todos os crimes e pecados podem ser perdoados. Mas esse de canonizar um ser humano, não pode ter perdão.


[1] Nota do entrevistado: o verbo SORORIZAR, feminino de FRATERNIZAR, acho que não existia antes. Ou, se existia, nunca era conjugado. A língua portuguesa é demasiado patriarcal. Tive de o criar, ou, pelo menos, insistir na sua utilização para não ficarmos reduzidos ao verbo fraternizar. Assim, irmã/irmão, sororal/fraternal/ sororizar/fraternizar. Nenhuma discriminação de género, também na linguagem com que nos (des)entendemos.

Publicado originalmente em 19 de Agosto de 2013

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10 COMENTÁRIOS

  1. Belissimas resposta do Padre Mário. Homem inteligente, estudioso, não arrogante. Explica e desmistifica muitos mitos criados, para que o povo não pense e aceite sem reservas. O estudo dele é bem enquadrado, tanto sob o ponto de vista social, politico e cultural
    É delicioso ouvi-lo e ler o que escreve

  2. Estrondoso e fabuloso conjunto Pergunta/Resposta.
    Melhor seria que o comum do “cristão” esse o da igreja, a estes Textos tivesse acesso.
    Para o comum do cidadão, agarrado a educações seculares, bordejadas e influenciadas pela igreja clerical, pouco culto, tradicionalista, tem imensa dificuldade e rejeição em ouvir(sequer) afirmações/explicações desta natureza.
    Gostam os Pobres, o Povão, de serem sofredores acomodados, á sombra do Poder instituído, de Deus e daqueles que em beneficio próprio, se arvoram seus defensores e salvadores.
    Existe uma postura de falta de coragem, receio, pouca cultura, de não interrogação e contestação.
    è o Povo de Deus, sem saber ou querer ser o Povo de Jesus.
    Gostei e bem haja.

  3. GRANDE SENHOR E AMIGO UNIVERSAL,DIGO QUE PERGUNTAS TÃO ESTUPIDAMENTE FEITAS MAS DIGO ,AS RESPOSTAS ,ALGUMAS ATÉ ME FIZERAM RIR,MEU QUERIDO AMIGO FOI BEM ATACADO ,MAS COM TODA ,A VERDADE E O SER HUMANO MARAVILHOSO QUE É ,ELES NÃO LEVARAM A MELHOR E EU QUE TINHA PENSADO TANTO QUE EU GOSTAVA DE SABER TODA A ENTREVISTA AQUI ESTÁ ,RESPOSTAS LIMPIDAS COMO ,A CRISTALINA AGUA UM GRANDE BEIJINHO PARA O MEU GRADE AMIGO E NÃO SÓ UNIVERSAL

  4. Respostas de um Homem lúcido. De um Homem que pensa para lá daquilo que quiseram que ele pensasse depois de sair do seminário. Se a maioria dos padres assim pensasse e actuasse, não havia Papa nem Vaticano, o que quer dizer que a religião dita “Cristã” seria outra, mais fraterna e despegada do poder económico-financeiro que a todos oprime. O meu abraço ao Amigo Mário de Oliveira.
    Onofre Varela

  5. Quem puder ler o livro EM NOME DE DEUS, de (DAVID YALLOP)as preguntas
    e respostas ao Padre Mário ajudariam a tornar tudo mais claro,se ainda restassem Dúvidas.
    Emídio Castro

  6. Querido amigo padre Mário, gostei muito deste desafio, achei muito interessante tanto as perguntas como as respectivas respostas, no entanto persistem em mim algumas questões/ dúvidas

    – É sacerdote, vive como sacerdote, pensa como sacerdote e tem complexos de sacerdote?
    …Em mim, o presbítero é a minha forma de ser humano maduro, autónomo, irmão universal, “responsável por toda a criação.” (mas então quem é voçê para se sentir responsável por toda a criação?)

    – É sacerdote, vive como sacerdote, pensa como sacerdote e tem complexos de sacerdote?
    … destronado o Evangelho de Deus que é Jesus, (Os Evangelhos são um gênero de literatura do cristianismo primitivo que contam a vida de Jesus ou então são o próprio?)

    – Quando reza, reza com Deus, para Deus ou sem Deus?
    …Aprendo com Jesus a viver sempre com Deus, mas sempre sem Deus. Por isso, como se Deus não existisse? (grande contradição! Afinal existe Deus ou não existe?) …Não sou eu que digo Deus – seria idolatria! – é Deus, o de Jesus, que nunca vejo – que me diz. (que diz o quê?)

    Agradecida eu sou

  7. Leio sempre com prazer e proveito o verbo do amigo Padre Mário, verbo sem hipocrisia e sem medo. Irei encaminhar esta entrevista a alguns amigos.

  8. Bom dia Padre Mário, li com atenção ,gostei é mesmo o Homem que eu conheço sempre muito direto nas suas respostas, ainda sorri com algumas das respostas, parecia que estava a ouvir e não a ler , foi um prazer ,obrigada por ser assim ,um lutador e sempre pronto a ajudar tudo de bom ,um beijo.

  9. Ganda Mário,amigo,camarada,companheiro,irmão de sempre,mas que lição de sabedoria,de sapiência,com muita inteligência,que respondes às questões.Grande anarkista-ético cósmico,universalista,ser de práticas políticas altruístas que não dás chances a qualquer inimigo/adversário.És certeiro,verdadeiro,correcto,grande poeta,grande operário,sempre em revolução diária,vinte e quatro sobre vinte e quatro horas,te abraço com nostalgia,muita saudade grande ser humano,ímpar,fora de série.

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