JÁ tínhamos visto com os Hipermóveis que este ramo de negócio das mobílias e decorações se presta muito a superlativos e, genericamente, a adjectivos que atiram para coisas a crescer em várias dimensões.

Está correcto. Há que tempos que o lar era apenas o fogo que aquecia mal e muito que fumegava e enegrecia as paredes e os tectos de cubículos mínimos e mal arejados. Desde que os humanos investem nas suas cabanas e abrigos pouco primitivos, têm vindo a aumentar e a diversificar-se o número de próteses domésticas que tornam os espaços habitáveis, confortáveis e usáveis para os mais diversos e inesperados fins. Um dia destes acaba-se a centralidade da arquitectura fixa e os espaços domésticos reagirão a impulsos de desdobramento, encolhimento, abertura …, como os tectos de abrir, paredes de correr, escadas virtuais e retretes 3D que se materializarão em lugares discretos e auto-desodorizantes e que enviarão para um endereço electrónico remoto os dejectos ciberneticamente compactados num ficheiro em anexo. Um verdadeiro hiperlar, doce lar.

E pronto. O Maxilar não está nada deslocado. Nos casos em que está, a coisa nota-se muito e não é nada boa: não se pode abrir e fechar a boca, a fala é arrastada, dói, os dentes desalinham da formatura que se foi por causa de um acidente traumático…; é mesmo de ficar de boca à banda a sangrar e a dizer mal da vida.

Também há muito caso de mandíbula deslocada em pessoas que abrem demasiado a boca para bocejar (o mundo passa-lhes ao longe), chorar (tristezas e dívidas) ou atirar-se a comer vitelas inteiras escancarando as beiças e rilhando furiosamente.

Aqui está tudo sereno. Demasiado sereno até.

SOBRE O AUTOR: Álvaro Domingues (Melgaço, 1959) é geógrafo e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, onde também é investigador no CEAU-Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo. É autor de A Rua da EstradaVida no Campo e Volta a Portugal. Colabora com o Correio do Porto desde janeiro de 2015.

Publicado originalmente em 14 de Junho de 2015

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