Os rios adoçam as margens não apenas com a água que corre, mas com histórias entrelaçadas às pedras, pontes, ruas e calçadas. São testemunhas silenciosas do pulsar das cidades. Veem crianças a brincar nas suas beiradas, pescadores lançando as linhas ao amanhecer, amantes trocando segredos sob a fantástica luz do entardecer. As suas águas carregam os ruídos dos tempos, misturando o sal das lágrimas urbanas ao açúcar da resistência dos povos.
O rio não é, nunca foi um estranho. É raiz, é veia, é memória. E as cidades, em troca, devolvem-lhe canções nos dias de festa, luzes que dançam reflectidas sobre seu corpo líquido, e a promessa secreta de que, mesmo em pleno caos, seguirão caminhando juntas. Doce como o encontro entre a terra e a água, esse laço nunca seca, permanece.
Cidade do Porto:
– Douro, velho amigo de águas prateadas, quantas vezes te olhei da minha Ribeira, enquanto as tuas correntes deslizavam, como se fossem segredos que só eu podia ouvir!
Tu és o espelho onde me vejo, o fio que une as minhas pontes, o silêncio que acalma a minha agitação.
Diz-me, rio Douro, o que guardas nas tuas profundezas?
Rio Douro:
– Porto, tu és a minha cidade de mil janelas acesas. Quantas histórias contaram os teus becos, enquanto eu corria, lento e paciente, a carregar os teus sonhos até à imensidão do mar!
Guardo recordações de barcos rabelos, de vozes de gente obreira que ecoam nas tuas colinas desde que a memória me pertence.
Também do teu ínclito reflexo, sempre presente, como um abraço que nunca se desfaz.
Cidade do Porto:
– Mas, rio Douro, tu és mais do que memórias. És o vento que traz o cheiro das uvas, o sabor do vinho que nasce nas tuas margens, que docemente alimentas e bafejas com exóticos vapores.
És o rumor das festas que todos os dias e noites ecoam nas caves, o caminho que leva e traz, o fio que une a terra ao infinito.
Diz-me, o que vês quando me olhas erigida sobre as rochas que te oprimem?
Rio Douro:
– Vejo-te, Porto, como um velho sábio de longas e brancas barbas, que são muralhas que contam histórias de séculos, e de ruas que guardam mil tesouros, o eco de passos de multidões de todo o mundo.
Vejo as tuas pontes, que são braços estendidos, como quem abraça a cidade de Gaia, amante fiel que contigo, na mesma cama, geraram um país maravilhoso ou um amigo distante que nos dá saudades.
Vejo o teu coração, pulsante e vivo, nas luzes que brilham à noitinha como estrelas que caíram do céu e se deleitam em cores matizadas sobre as minhas águas, como promessas de amor de namorados, juradas ao luar de todos os tempos.
Cidade do Porto:
– E eu, rio Douro, vejo-te como um Poeta, que desenha versos nas margens por onde passas e enches de alegria, o fio de água que canta canções que só o vento compreende.
Tu és o meu eterno companheiro, o rio que nunca para de fluir, e que me ensina a antiga arte de ser paciente.
Rio Douro:
– E tu, Porto, és a minha razão de ser, a Invicta Cidade que me dá um destino e
que transforma o meu caminho em poesia.
Juntos, somos uma história sem fim, um diálogo de águas e de pedras, de margens que se encontram e se perdem, eternamente ligados pelo tempo.
Porto e Douro (juntos):
– Somos o Porto e o Douro.
Um abraço que nunca se desfaz, um Rio e uma Cidade. Uma história que nunca terá fim.
Nas margens dos rios, cidades , vila e aldeias, inclinam-se como velhas amigas, bebendo não só o sustento, mas também a poesia que um curso de água tem. Ele oferece espelhos líquidos onde os prédios se refletem, transformando cimento e barro em sonhos.
Nos dias de calor, abraça os desidratados; nos dias de cheias, faz lembrar a sua força ancestral. Há uma intimidade tecida em cada onda que beija os degraus de um cais e em cada barca que desliza suavemente, levando vidas de uma banda até à outra margem.
Cidades se inclinam como velhas amigas, bebendo não só o sustento, mas a poesia do rio. Ele oferece espelhos onde os prédios se refletem, transformando pedras, cimento e barro, em sonhos julgados impossíveis.
A CIDADE PERMANECE; O RIO SABE SEMPRE PARA ONDE HÁ DE IR.
Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do Douro; Douro Inteiro; Douro Lindo; A Ninfa do Douro; Palavras – Conversas com um Rio; Fado Falado – Crónicas do Facebook; Amanhecer; Barcos de Papel; Casa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.