Um rio corria nos olhos espantados das crianças. Cruzavam-se remos, barcos e velas no crepúsculo das vidas. Unidos, subiam de mãos dadas as casas dos que são agora estrelas.

As árvores, debruçadas sobre os sonhos, sobressaltavam os milenares silêncios e diziam das procissões de pássaros que vinham amanhecer à beira da água.

O amor navegava em barcos de papel multicores e era apenas sede a ondular no coração do rio.

As palavras desamparadas eram museus de silêncios, formações de vácuo a permitir outros sons no clamor da manhã, um grito apenas saído da alma de uma mãe.

Dizem que os olhos se lhe cerraram por via de desgostos, pela falta de ternura, de amor, excesso de solidão. Contaram que ninguém lhe segurara as mãos na hora da morte, que estava sozinho nesse instante a enfrentar o inesperado e trágico fim.

Sabe-se que se calaram os barcos, que entardeceram as aves e que o rio deixou de correr nos olhos puros das crianças.

Trémula, a manhã recolhia os soluços e acariciava os cabelos brancos da mulher vestida de negro.

– Quero ver o meu filho! – gritou desesperada.

Mãe, a sua casa de acolhimento. O colo onde todos regressamos vivos ou mortos, ao fim de todas as caminhadas neste mundo.

Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do DouroDouro Inteiro;  Douro LindoA Ninfa do DouroPalavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook;  Amanhecer; Barcos de PapelCasa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.

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