A poesia que se manifesta na literatura, nas artes plásticas, na fotografia, na música, no teatro e de muitas outras formas de despertar a parte sensorial do ser humano, é muito mais sensível às belezas que o cercam, e é nesse combinado de formosuras e perfeições que expressa toda a sua esplendorosa feição de sensibilidade, emoção e sentimentos.

O rio Douro é chamado à contemplação das fantásticas paisagens, que ele próprio escolheu para embelezar a jornada que intentou há milhões de anos. Não por ser, apesar da sua grandiosidade e histórico patrimonial, um género de deus vivo, mas sim pelo simbolismo da perpetuidade de vida que representa.

É no seu habitat natural que o encontramos, rabiscando por entre vales e montanhas, como se andasse à procura do sítio ideal onde pudesse ser feliz para sempre. Mas, na criação do mundo, o seu destino traçado era o mar, a colossal massa de água onde todos os sonhos de um rio começam e têm um fim.

Durante a sua história, deixou-se cercar por povos de quase todas as raças do planeta, que fizeram dele o seu celeiro de peixes de variadas espécies e, simultaneamente, a horta onde os vegetais se criavam e continuam a criar viçosos, devido ao seu    respirar húmido e quente, bafo gerador de microclimas muitíssimo benéficos para quase todo o tipo de culturas, dentre as quais a do vinho sobressai e constitui tradição.

Os ocupantes dessa região ou regiões onde corre, vieram dos vários pontos cardeais da Terra, fixaram-se nas suas margens ao longo de gerações, num processo de ocupação territorial nunca dantes visto por aqui.

É um rio famoso, tanto pelo seu imenso caudal, como pelo seu passado turbulento. Sobre ele realizam-se filmes e escrevem-se livros em prosa a contar histórias vividas sobre as suas águas, muitos outros de poesia inspirados na belíssima configuração do seu traçado, que não é mais nem menos do que um postal ilustrado, a reflectir a suprema beleza do mundo, essa sim, concebida por algum ser sobrenatural que alguma   vez passou por aqui e quis, propositadamente, deixar um traço de esperança num futuro promissor, nessa época inimaginável.

Nada se cria do nada, tudo o que é conhecimento existiu sempre, diz-se, por via da firme convicção de que houve um Criador. «Podemos transformar, nunca criar» – segundo Lavoisier.

Entretanto, os poetas não só chegaram ao Douro, como invadiram todos os recantos do planeta. Nestes últimos séculos, a visibilidade que substituiu o desconhecimento dos povos, quanto à importância dos valores culturais, ainda nos mostra autênticos tesouros literários como: “O Douro sublimado “de Miguel Torga, “O Campo do Possível “de Eugénio de Andrade, “As Noites do Porto” de Sofia de Melo Breyner Anderson, “Douro Pizzieato e Chula” de A. M. Pires Cabral. “A Sombra Iluminada” de Amadeu Baptista, “Os Nomes da Água” de António Cabral, “Diário de Bordo” de José Braga Amaral, “Balada do Rio Douro” de Egipto Gonçalves, “Sei de Um Rio” de Pedro Homem de Melo. “Vinte Poemas de Fé para um Rio”, de Mário Mendes. “Toada de Rabelo no Cais dos Sobressaltos” de Nuno Rebocho, “Trinta Poemas de Amor” de Aurora Simões de Matos. “Rio de Infinitos” de Teresa Almeida Subtil, “Da Serena Idade das Coisas” de Teresa Teixeira.

Alguns destes poetas durienses e transmontanos são filhos da terra onde o rio surge repentino das falésias, e rompe por este país dentro como se fosse o senhor de todas as águas. Tal como a poesia de centenas ou talvez milhares de poetas incógnitos, na pátria onde nasceram e a que dedicaram um afável olhar literário sobre a região, hoje Património Mundial da Humanidade, as suas gentes, o rio, os barcos, a fauna, a flora, as edificações naturais ou outras talhadas por mãos humanas existentes nas suas duas margens. São a garantia, de que esse sublime canto nunca terá fim.

Os poetas deslumbram a humanidade, porque não conhecem limites quando falam a pura linguagem da natureza, dialeto que já existia muito antes de haver escrita e era entendido por todos os povos do mundo. São o tempero da terra, aqueles que cantam ininterruptamente no deserto cultural dos nossos dias e continuam a fazer o rio Douro transbordar de poesia.

Manuel Araújo da Cunha (Rio Mau, 1947) é autor de romances, crónicas, contos e poesia. Publicou: Contos do DouroDouro Inteiro;  Douro LindoA Ninfa do DouroPalavras –  Conversas com um Rio; Fado Falado –  Crónicas do Facebook;  Amanhecer; Barcos de PapelCasa de Bonecas e Crónicas de outro Mundo.

Partilha
907
COMPARTILHAR

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here