CHAMA-SE Adalberto Cavalcanti Silva, mas no mundo da música popular brasileira é conhecido por Beto do Bandolim. Nasceu no Recife, estado de Pernambuco, Brasil. Começou por tocar cavaquinho para depois se dedicar apaixonadamente ao bandolim (ficou com as mãos em forma de concha). Faz parte do Grupo 4por4 e integra ainda um grupo Choro e outro de metais (atuam no período do Carnaval). Visitou Portugal por três vezes. Só diz bem de cá. Em 2014 gravou um CD com outros músicos na cidade de Fafe o qual será lançado em 2016 no Recife. Boa sorte e até breve!
Por Paulo Moreira Lopes
CumpliCidades, Fafe: Cidade das Artes e Sabiá Quartet
A primeira vez que esteve em Portugal foi em 1994 no âmbito do Projeto CumpliCidades estabelecido entre os governos brasileiro e português. Vinha um avião fretado só com artistas do Brasil para cá e ia outro para lá com artistas portugueses. Naquele ano passou pela Covilhã, Guarda, Guimarães, Gaia, Porto e Lisboa. Abriu o show do artista Canhoto da Paraíba.
Voltou em 2014 para participar noutro projeto de intercâmbio de culturas: Fafe Cidade das Artes. Dessa vez as entidades intervenientes foram a Associação de Produtores de Artes Ciências de Pernambuco e a cidade de Fafe. Gravou um trabalho com outros dois artistas (piano e percussão) com o objetivo de ser lançado em janeiro de 2016 no Recife.
Este ano, nos meses de junho e julho, esteve em Vila Nova de Gaia a preparar com o Sabiá Quartet a apresentação de uma série de seis concertos na Áustria e na Alemanha. Associa-se ao quarteto para tocar obras autorais e do italiano Giuseppe Tartini, em estilo barroco. Antes de partir atuou no Auditório do Conservatório de Musica do Porto.
O galego
Louro, de olhos verdes, de estatura média e mãos curtas só podia ter ascendência europeia, em especial do norte. O avô materno era português da cidade de Guimarães, enquanto o avô paterno era um holandês de raça pura. Nem parece que é brasileiro, dizem. Por lá chamam-lhe galego, não por ser da Galiza, mas por ter o cabelo louro. Onde quer que vá no Brasil perguntam se é de lá.
Nasceu no Bairro das Areias, na cidade do Recife (1961-01-16). Já viveu na cidade de Olinda e Jaboatão, residindo atualmente na cidade natal (não confundir com Natal). Tem dois irmãos, sendo um deles, Alberto Guimarães, também músico que o acompanha às vezes ao violão.
O cavaquinho
Aos dez anos começou a tocar cavaquinho. Uma das explicações que encontra para o gosto que nutriu desde novo pela música talvez se deva ao facto de mamãe lhe cantar músicas antigas, em especial do género Chorinho, já que não conhece na família mais chegada ou longínqua qualquer inclinação para a atividade musical.
Em criança gostava de ouvir o som do cavaquinho (Waldir de Azevedo era o mestre do cavaquinho), mas não associava ao instrumento. Quando viu um trocou logo pelo relógio que ganhou no aniversário. O pai ficou muito chateado, claro.
Passou a tocar, a tocar sem parar (será porque não tinha relógio para medir o tempo?). Mamãe ficava arretada (expressão do Nordeste parecida com o termo irritado) de tanto ouvir o instrumento o dia todo. Depois, é óbvio, fazia os trabalhos de casa na carreira (não é a fazer os trabalhos no interior do autocarro da carreira, mas sim a correr, à pressa).
Começou a tocar de ouvido o que ia ouvindo na rádio. Trabalho danado, desabafa. É que as músicas não passavam quando queria, mas quando calhava. Não tinha outro remédio senão ficar à espera que tocasse a música que estava aprendendo, o que podia durar horas ou dias. Era um sacrifício.
Aos catorze anos conhece outros tocadores mais velhos. Continuou a aprender de ouvido e a aperfeiçoar-se. Até que aos dezassete anos foi integrado num grupo de músicos mais experientes, com quarenta ou mais anos de idade, atuando em restaurantes e bares e a ganhar um caché.
O bandolim
Quando tinha dezanove anos conheceu Marco César, um ano mais velho do que Beto, também bandolinista e atualmente professor no Conservatório Pernambucano de Música. Foi nessa altura que Marco César lhe sugere trocar o cavaquinho pelo bandolim, pois a afinação naquele era muito mais difícil (no bandolim a afinação é mais confortável, asseveram os entendidos). A adesão não foi imediata, uma vez que Beto gostava de ouvir o choro do bandolim tocado no cavaquinho.
Para quem não sabe, o bandolim teve origem no bandurra (tem seis cordas) que, por sua vez, é uma derivação do alaúde. Outra curiosidade, o corpo do bandolim brasileiro distingue-se do napolitano (o mais conhecido universalmente), por ter as costas retas, enquanto as daquele são abauladas.
Ora, de início Beto achou que tocar bandolim seria mais difícil por ter mais cordas (oito), mas depois descobriu que aquelas valem por quatro, sendo afinadas aos pares e em uníssono. Daí em diante a sua paixão foi o bandolim.
Com o objetivo de evoluir musicalmente, entrou para o Conservatório com uma bolsa de estudo e concluiu os oitos anos do curso (em regime noturno). Quando saiu com o diploma tinha vinte e sete anos, já era profissional e com o seu próprio grupo.
Ou mudava de vida ou ficava lascado
Paralelamente à carreira de músico teve que se fazer à vida. Cumpriu o serviço militar obrigatório na aeronáutica com dezoito anos e aos dezanove casou. Trabalhou numa ótica, numa casa de fotografia e num negócio de ónibus. Por fim abriu um açougue (talho). O desencontro dos horários do estabelecimento (levantava-se muito cedo) refletiram-se no desempenho nos espetáculos, os quais se realizavam à noite. Andava sempre cansado. Nessa altura tinha dois filhos.
Se não mudava de vida ficava lascado (expressão nordestina que Beto exemplifica ao unir o polegar e indicador da mão esquerda, em forma de círculo, e depois bater sobre o mesmo a palma da mão direita). Tomou então mais uma decisão difícil, mas decisiva para a sua carreira: entregou o negócio do açougue à mulher e voltou para casa da mamãe.
Em casa da mamãe continuou a estudar e a tocar, a fazer arranjos e a compor músicas. A partir daí ganhou vários festivais de música carnavalesca. Eram prémios bons, conta com os olhos a brilhar. Passou a viver da música e para a música. Até hoje.
O mundo do espetáculo
Mas o mundo do espetáculo tem os seus perigos. Por se prolongar pela noite dentro parece que é tudo mágico e maravilhoso. É uma fantasia, não é um mundo real, garante. Há quem troque os mundos e depois caia na ruim (viciam-se na bebida ou na droga para manter o efeito da fantasia), como sucedeu a muitos artistas que conheceu.
Tem plena consciência que se tivesse ido para o Rio ou para S. Paulo a sua carreira como músico seria diferente, para melhor. Naquelas cidades acontece tudo. Hoje, olhando para trás, acha que talvez tenha sido o medo de ir sozinho para a grande cidade que o inibiu a partir. Agora vai e volta.
Já gravou quinze CDs, mas só colocou no mercado dois que tiveram o apoio do Estado. Os outros, vende-os nos shows. Aliás, consegue vender mais CDs nos shows do que nas lojas.
Atualmente faz parte do Grupo 4por4. Diz que é um negócio mais fino, destinado a atuações em casamentos e a receções públicas. Toca, ainda, de modo quase diário, num grupo de Choro e pelo Carnaval com um conjunto de metais. Nos espetáculos prefere decorar as partituras para poder expressar melhor o seu virtuosismo.
Uma mão em forma de concha e um rosto sonoro
Confidencia que tem de pegar uma hora por dia no bandolim senão fica doido (é um vício). Sem o instrumento é como se lhe faltasse alguma coisa. Compara o objeto a um membro do corpo. Não consegue viver sem ele. Aliás, de tanto tocar as mãos pegaram a forma do instrumento (deformação profissional). Ficou com as mãos em forma de concha (e o cérebro como estará?).
Apesar da necessidade quase vital do bandolim, com o passar do tempo tem vindo a tornar-se mais desprendido com o número de instrumentos que possui. Já teve dez bandolins, mas acabou por dar quatro a outros músicos por motivos e em ocasiões especiais. Neste momento contenta-se com seis.
E será que Beto do Bandolim criou uma sonoridade própria? Lembra que nos primeiros tempos começou por imitar Jacob do Bandolim, mas logo se apercebeu que nunca iria ser como ele. Com o tempo foi-se moldando ao seu estilo próprio. Está convencido que quem o ouve consegue identificá-lo. O som do bandolim gerou-lhe uma imagem identitária, é como se fosse um rosto sonoro.
Morava cá sem pensar duas vezes
Questionado sobre o que acha de Portugal, diz que da primeira vez que cá esteve (1994) ficou completamente apaixonado pelo país. Com paisagens belíssimas e pessoas hospitaleiras e gentis (palavras do próprio). Elogia os meios de transportes por serem muito bem estruturados, tanto por terra, mar e ar.
A cidade que mais o encantou, à primeira vista, foi o Porto. Com um ar nostálgico e ao mesmo tempo moderno. Além da culinária que é de fazer inveja a qualquer outra cidade do mundo. Isto sem falar nos seus artistas e na sua música.
Nesta última passagem viveu durante várias semanas em Gaia onde conheceu pessoas armabilíssimas (obrigado pela parte que nos toca). Observa que é uma cidade bem estruturada e limpa. Agradável de se morar. Moraria cá sem pensar duas vezes, conclui.
E nós fazíamos todo o gosto em ter um vizinho tocador de bandolim (já temos o Chico da viola).
Até breve e muito sucesso pela Europa e resto do mundo.
Tudo o que se disser para realçar as excepcionais qualidades do Beto, como músico (compositor, virtuose do bandolim) e pessoa humana, com H maiúsculo, será pouco!!! Prolífico compositor, é auor de mais de 1,5 mil obras para bandolim (valsas, frevos, chorinhos, blues, etc.),mais recentemente deu um salto qualitativo imressiante, ao incursionar na música clássica, compondo um concerto barros. Tive a imensa (a)ventura de estar presente, em Salzburgo (Austria), terra natal do W.A.Mozart, para assistir a “avant-première” do dileto amigo, não só do concerto mencionado, mas no cenário da música erudita européia, já que suas andanças por esse continente, tinham se limitado, até então, a Portugal!!!Váem frente, Beto, que O MUNDO AGORA É SEU!!
Quando Beto toca, o tempo fica em suspensão e o espetáculo que presenciamos não é apenas musical. É visual também. Diante dos nossos olhos, homem e instrumento passam a ser um só corpo, vibrando apaixonadamente, pleno de vida, transmudado em som. Agradeço muito aos portugueses que o receberam tão bem.
Conheço a trajetória do músico Beto do Bandolim há muitos anos e fico sempre admirada com sua genialidade,
Porque ele sempre se supera .
A paixão pelo instrumento faz com que ele desenvolva cada dia mais e melhor sua musicalidade.
Grande artista, músico e compositor!
Parabéns Beto do Bandolim!!!
Você merece todas as honras.
Sucesso sempre.
Que pena não ter tido conhecimento antes da sua presença aqui. Em 1994, fizemos uma bela festa na Praia do Molhe, uma sardinhada, para receber o Canhoto e vários artistas. Espero que Beto retorne em breve e que sejamos avisados,