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O canto do melro

O canto do melro

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1.
Na alva plena
adivinha o melro
a felicidade da luz[1]

2.
Tem o timbre do ouro
o canto
do melro

3.
O canto do melro
é seiva melodiosa
que sangra nas árvores

4.
Do alto do choupo
toca fundo
no nosso coração

5.
Há sementes
que rebentam
no canto do melro

6.
Em dias límpidos
ouve-se até perder de vista[2]
o canto do melro

7.
A vizinha do melro
deixa a janela entreaberta
para não cantar sozinha

8.
Em que língua canta o melro
que o nosso coração
entende tudo?

9.
No inverno
o melro canta
na nossa lembrança

10.
Oh melro! sem vos ouvir
se vivo mais um dia
viver não queria[3]

11.
O silêncio do melro
desperta em nós
a inquietação

12.
No exterior do templo
o melro responde
ao pregador

13.
O melro
traz melancolia
para a cidade

14.
O melro não guarda
segredo
da sua alegria

15.
Por momentos
a rapariga imagina
que estão a chamar por si

16.
Tirado ao ninho
vive agora numa floresta de arames
onde amadurece o bico
em longos dias de isolamento

Por mais pungente que seja o canto
o dono não se comove
fascinado que está com a sua posse

17.
Há de chegar o dia
em que o homem ficará tão cativo
que nunca mais o prenderá

18.
O desgosto do tordo
é não ter bico amarelo
como o melro

19.
O melro não voa
ele navega
nas ondas do dia

20.
Rabiscos de carvão
inundam
a tela do dia

21.
Fugaz
a sombra do melro
sobre a relva

22.
É para ti o anel de fogo
que dança na penumbra
do bosque

23.
Dá cócegas
ver o melro
na relva

O POETA

24.
As metáforas não redimem
o poeta que prende
o canto do melro

25.
Na primavera
o poeta acerta o relógio
pelo canto do melro

26.
De tanto ouvir o melro
um dia o poeta
voará

27.
Despertar
ao som do canto do melro
é o sonho do poeta

28.
A poetisa
bebe aos goles
o canto do melro.[4]

29.
Só a poesia
dá o som lírico
ao canto do melro[5]

PROVÉRBIOS DO MELRO

30.
A melro cativo, dono altivo.

31.
Melro branco não desiste de cantar[6]

32.
Liberdade ao melro que lhe seca o canto.

33.
Quando cantam os melros, calam-se os ais.

34.
Na luta entre melros quem ganha é o gato.

[1] Verso de António Osório.

[2] Parte de um verso de Mario Quintana

[3] Adaptação de lírica popular espanhola.

[4] Inspirado no poema O canto da chávena de chã de Fiama Hasse Pais Brandão

[5] Adaptação de poema de Fiama

[6] Glosa do aforismo de António Osório: O pato mudo não desiste de nadar.

PML

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