1.
Três folhas
ainda verdes para voar
– Outono
2.
No inverno
no lugar dos figos
brotam lágrimas
3.
Em março
a figueira abre os olhos
para ver a primavera
4.
Se não estivesse envasada
a figueira ia brincar com as crianças
para a estrada
5.
Na fenda da autoestrada
irrompeu
uma figueira-brava
6.
O figo dobra-se
ao peso
da doçura
7.
Os figos nasceram
para serem
colhidos
8.
No regresso das férias
três figos em putrefação
pendem da figueira
O mais doloroso agora
não é enterrar os figos
apodrecidos O mais
doloroso agora é viver
com os remorsos de os
ter deixado morrer
sem serem colhidos
por PML
9.
À FIGUEIRA DA QUINTA DE S. PEDRO – S. LOURENÇO-AZEITÃO PEDINDO À SUA DONA QUE NUNCA A DEIXE MORRER
Na profusão dos gestos, a presença: a figueira.
Merecia ir à piscina tomar banho, a figueira.
Merecia mais que muita gente,
que, semovente,
passarinheira,
não passa afinal de estar à beira.
Com seus braços,
nadaria, ao mesmo tempo, em todos os sentidos,
seria a presença inteira
(e nunca, meu Deus!, a D. Maria
ou a D. Fernanda Figueira…)
De longe, a nuvem cor-de-rosa está à espreita.
– Generosa figueira,
quando estiveres doente quem te deita?
por Alexandre O’Neill in Poesias completas & dispersos, Assírio & Alvim, março 2017, página 628